O sistema é um inferno. (E pensar que há inúmeros potenciais professores que se lamentam por não conseguirem tornar-se efectivos no inferno. Bem. Eles estão num estado, de facto, pior: num supra-inferno...) O objectivo do jogo que vos propomos é o de sair do inferno: isso pode suceder a um único jogador, e uma única vez na eternidade (até porque não acredito que vos apeteça jogar o jogo uma segunda vez, se é que apetece a alguém jogá-lo, sequer, a primeira vez. Mas não sei. Com os professores, nunca se sabe...!) A porta - longínqua, estreita, invisível, impossível - chama-se Reforma.
MATERIAL NECESSÁRIO:
1 dado.
1 tabuleiro.
tantos peões quantos jogadores houver.
1 gamela com folhinhas previamente preenchidas (com prémios e castigos), dobradas, como aquelas rifas nas barraquinhas das feiras.
O tabuleiro pode ser feito por si: numa folha desenhe dez círculos concêntricos. Já está. Cada um dos círculos representa um dos círculos do inferno.
O do centro, é o centro do inferno. De lá, ouvem-se gritos e vêem-se labaredas, saltam, como arrotos de enxofre, ofícios e circulares, decretos e outros castigos. Todos os jogadores deverão partir daí. Nenhum deseja regressar.
Depois, sucessivamente, de dentro para fora:
2. Círculo dos professores substitutos: os mais severamente punidos de todos. Sem culpa de que alguém falte, a eles cabe reparar esse mal. Aguardam numa antecâmara infecta, entre quatro paredes que quase se tocam e, ao mesmo tempo, desejando que os não retirem de lá: saindo, é para serem lançados em antros onde pequenos monstros se deliciam com a sua carne, entre gritos, jogos infantis e pseudo-didactismos.
3. Círculo dos professores do Ensino Básico: responsabilizados pelos outros círculos pelo inqualificável estado em que lhes chegam os alunos, que podem fazer? Reprovar os meninos que não querem, não estudam, não sabem? Impossível. O centro do inferno não o permite. O insucesso é inadmissível. O sucesso uma falsidade. O trabalho é imenso, os planos de recuperação de quem se não deixa recuperar um artifício. A vergonha marca-os.
4. Círculo dos professores Directores de Turma: há séculos que o cargo de Director de Turma deixou de ser um cargo pedagógico. Tornou-se uma função burocrática. Os Encarregados de Educação têm, naturalmente, direitos: não compreender o que se passa, criticar o que não compreendem, teimar em que os filhos são uns génios perseguidos e os professores uns perseguidores sem génio. A ministra concorda.
5. Círculo dos professores dos Cursos Tecnológicos: os alunos não têm culpa. Talvez ninguém tenha. Entretanto, estes professores leccionam os mais desmotivados e defraudados dos alunos, ensinando-lhes pouco mais ou menos o mesmo ou exactamente o mesmo que noutros cursos, para os enviar, de uma forma demorada e exigente, para o desemprego.
6. Círculo dos professores de Português: os alunos não sabem escrever? É deles. Os alunos não lêem? É deles. O país é inculto, ignorante, o máximo que conhece em matéria de letras são as letras para pagar e as letras das mensagens do telemóvel? É dels. O insucesso em português é uma vergonha? É deles. O nosso Nobel é Saramago? É deles. Tudo recai sobre eles. Culpam-nos, apontam-lhes o dedo, dizem-lhes: «Os nossos filho têm más notas derivado a eles, prontos!» (Poderia provar-se, por A+B, que a Grande Culpa não é dos professores de português. Mas de que vale provar seja o que for por A+B num país tão pouco dados às letras?)
7. Círculo dos professores de Matemática: ui! Ao que se chegou. Não pode ser, dizem-lhes. Ao menos disfarcem. Não precisam de ensinar, mas ao menos disfarcem... (Também se poderia demonstrar que a Grande Culpa não cabe aos professores de Matemática. Tão certo como 2 mais dois serem 4. Mas que interessa isso a um país que sofre desta espécie de disfunção eréctil da matemática, totalmente incapaz de lhe fazer subir o sucesso?)
8. Círculo dos professores coordenadores: que são, coitadas, as almas penadas que têm todo o género de coordenações que não sejam só cargos vazios e esvaziados, mas sobretudo os coordenadores de departamentos difíceis (quase todos), com golpes baixos e altas golpadas, inimizades de estimação, implacáveis e intolerantes.
9. Círculo dos professores que sempre vão estando levemente melhor do que os anteriores: são, efectivamente, não direi mais felizes, mas menos infelizes. Não se apercebem inteiramente disso. Estão, apesar de tudo, ainda no inferno: são professores... (Claro que podiam ser mineiros. Podiam trabalhar nas obras. Podiam ser empregados do sr. Cavaco. Eu sei que há infernos mais infernais...!)
REGRAS:
Cada jogador lança o dado, que lhe indica o número de círculos que deverá avançar. Quando tiver colocado o peão que lhe corresponde no círculo indicado, tira uma das folhinhas da gamela.
Estas folhinhas determinarão a sorte do jogador: se fica nesse círculo, se volta para trás (e, nesse caso, quantos círculos deverá recuar), se fica sem jogar na vez seguinte, etc.
Não é necessário haver muitos castigos - mas que haja mais castigos do que prémios.
Eis alguns exemplos:
CASTIGOS:
a) A sua mudança de escalão voltou a ser «congelada»: portanto, não joga nas três vezes seguintes
b) Chegou atrasado à primeira hora, porque o trânsito estava impossível. Já lhe marcaram falta. Não há um único aluno no horizonte. Recua um círculo
c) A ministra teve uma enxaqueca. Como consequência, tomou-o como Bode Expiatório. Deverá regressar ao ponto de partida.
d) Afixaram na sua escola mais uma lista de conferências da Pré-Ordem dos Professores. Riu-se tanto, que escorregou e bateu com a cabeça no chão. Não pode dar mais aulas. Recua dois círculos
e) Chamam-no para dar uma aula de substituição: regressa ao ponto de partida.
(O jogador que regressa ao ponto de partida joga, na sua vez seguinte, novamente, a partir daí).
PRÉMIOS:
a) Saiu-lhe o euromilhões. Avança para o círculo 8. No entanto, deverá pagar as bicas a todos os presentes.
b) Hoje ninguém faltou. Não o chamaram a substituir. Avança dois círculos: no entanto, deverá cantar o hino do Sporting em cima duma cadeira.
Etc.
Os prémios terão de conter sempre um «No entanto», com alguma tarefa que não pode ser recusada, sob pena de eliminação.
3 comentários:
não basta o jogo que jogamos todos os dias?! Tinham que inventar uma "porcaria" semelhante? É preciso ser masoquista!!!!
O que eu gostava de saber era se, jogando o jogo direitinho e cumprindo todas as regras, se mesmo assim alguém consegue sair vencedor!...
Essa de cantar o Hino do Sporting só podia ser mesmo um "no entanto"... Está bem visto, ó Sindroma! :D
Enviar um comentário