Querida Dra. Ruth:
Sou uma mulher ingénua e muito séria. Fujo do universo masculino a sete pés: a única coisa que sei desse mundo é que gira, todo ele, à volta de carros, de futebol e de mim.
Sinto que os homens me olham com uma fixidez lasciva; que me dão encontrões nos autocarros e me sorriem provocantemente ao atender-me numa loja ou num café.
Um destes dias, estava eu ao balcão do Aquarius quando reparei que o fulano que estava ao meu lado não tirava os olhos de mim. Já me sentia incomodada! Por fim - os pretextos que encontram para meter conversa são de uma pobreza atroz -, disse-me ele, numa voz cava e sensual: «A senhora acaba de comer o meu bolo!»
Mas reparo que mesmo os menos atrevidos, aqueles indivíduos profundamente tímidos, me devoram com os olhos. Aconteceu com um jovem, numa fila de supermercado, que tinha os olhos pendurados em mim, mas a medo, como se lutasse consigo próprio, tentando ganhar coragem para se me dirigir. Bem. Até essa amostra de gente acabou por urdir um estratagema: «Não queria incomodar», atreveu-se ele, «mas a senhora está a pisar-me».
Por todo o lado, Dra. Ruth. Numa cabine telefónica em que me abriguei, um dia, por causa da chuva, cheguei a ver-me cercada por três marmanjos lá fora. Ao fim de duas horas, um deles chegou ao desplante de dar pancadinhas no vidro da cabine, com os nós dos dedos, e apontar para o relógio, como se quisesse marcar-me um encontro de amor!
Entende a minha situação?
Ainda ontem me cruzei com dois tipoos. E o mais alto e espadaúdo, aquele que, por acaso, me pareceu o mais interessante, comentou-me assim para o amigo:
- É mesmo boa, não é?
Ao que o amigo respondeu, malcriadamente, com a boca cheia:
- Sim. Estão cada vez melhores. Com «peperoni» ficam óptimas.
«Peperoni» deve ser um termo ordinário: tenho andado a descobrir que, nesse repelente universo dos machos, mesmo as palavras mais comuns adquirem, por vezes, conotações escabrosas. Já me ensinaram que nunca se deve dizer pregadeira, porque também significa uma perversão qualquer. Sabia? Deve usar-se sempre outro termo.
Mas guardei para o fim o pior de tudo. Dra. Ruth, tenho andada a ser seguida por um homem de mau aspecto, que me provoca arrepios e sonhos inenarráveis. Eu bem tento livrar-me dele, mas o homem é muito rápido. Tão rápido, tão rápido, tão rápido, que quando está a perseguir-me consegue ir sempre à minha frente. Por favor, ajude-me. Que hei-de fazer?
Patareca
Querida Patareca:
Todas nós temos, por vezes, a ilusão de que os homens nos perseguem. Neste mundo ilusório, a experiência diz-me que essa é uma ilusão que deve ser tomada muito a sério porque, na maior parte dos casos, corresponde rigorosamente aos factos.
Eis a minha teoria: sempre que lhe parece que um homem anda atrás de si, isso é com certeza verdade. E quando não é, deveria sê-lo.
Como os homens não têm imaginação, torna-se fácil, por outro lado, percebermos-lhes os truques, quase sempre muito primários. Vou-lhe contar um caso, minha amiga: sabe que eu própria tenho sido muito perseguida, ultimamente, por um sujeitinho baixote e pálido? Agora repare no pretexto: diz ele que é para me cobrar o que eu devo na sapataria. Já vê como os percebemos logo? Como os homens não são criativos, isso só poderia ser mesmo uma manobra de aproximação, uma vez que não acredito que um macho tenha uma imaginação suficientemente delirante para imaginar que eu pagaria uma dívida.
O meu conselho para si é, minha querida, que não se preocupe de mais. Deixe-os andar. Eventualmente, algum pousará.
Sua
Ruth
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