No momento em que se debruçavam todos sobre aquela encenação, ouviram passos de mulher - a menos que se tratasse de um travesti - que se aproximavam com firmeza.
Ergueram os rostos.
Tininha Maia olhava-os, da porta, tão surpreendida como eles.
- Pai! - exclamou, fixando o morto na sua nudez (e mudez) constrangedora, na sua posição absurda.
- Devo deduzir que a menina é filha do Doutor Mota? - inquiriu argutamente o Agente Talhinhas.
- Eu? Não! Que disparate...
- Perdão. Ouvimo-la distintamente pronunciar a palavra «pai».
- Ah! - respondeu ela com voz chorosa. - Isso é porque ele fazia sempre de Pai Natal nas nossas festas natalícias. Desaparecia invariavelmente antes da meia-noite e depois... reentrava de vermelho... com barbas brancas... Buaaaaaah!
- Bem, bem, acalme-se.
- Quer comprar uns brincos? Fiz uns anéis que... - e procurava estender no chão, diante dos aturdidos presentes, as suas últimas produções. - Já que falamos de Natal...!
- Não. Hum! Diga-me antes o que faz aqui a menina.
- Recebi um telefonema.
- De quem?
- Mas... do Pai Natal!
- Do Pai Natal??? - perguntaram todos em coro, num coro desconcertado, aliás, porque Alelelex levara mais tempo a pronunciar a mesma pergunta.
- Sim, do Doutor Mota.
- Está a brincar, menina? O Doutor Mota está morto.
- Um telefonema feito... antes de ele morrer, obviamente. Disse-me assim: «Sei que gostas muito de charadas, minha querida. Dirige-te imediatamente ao Palácio dos Aciprestes, onde encontrarás a minha última charada. Vais-te rir!» E é verdade que eu gosto muito de charadas. Mas isto é um pouco de mais: levar o gosto e o prazer da brincadeira ao ponto de se suicidar para engendrar o enigma perfeito...
- Suicidar-se? Não, menina. O Doutor Mota não se suicidou. Foi suicidado.
CONTINUA
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