Augusto, o augusto, com o seu pulôver de um vivíssimo vermelho, estava, nesse dia, curiosamente recatado. Não o víamos nem ouvíamos gargalhar estrepitosamente, nem a falar dos touros de Alpiarça, nem dos de Linda-a-velha, nem a meter-se (da boca para fora, é evidente) com o mulherio: e a razão de tão selecta compostura, era que o augusto Augusto tinha de conduzir e fingir que levava a sério um grupo de senhores universitários, muito pouco efusivos, de ares fúnebres, que tinham vindo visitar a escola e participar nuns vagos projectos.
O habitual «Gang» da Eslav ressentia-se dessa sua placidez.
Entretanto, o fantasmadaopera, sentado com as patas em cima da mesinha baixa da sala de professores, com uma gabardine acinzentada, muito surrada, rabiscava na memória os traços dos professores que iria imortalizar em caricaturas. Muito ao fundo, noutra mesa, entre mulheres, Paxêku, o grande filósofo, o super-herói da escola - que até já haviam tentado envenenar: inclusivamente o Chefe Lucas oferecera-lhe, pelo Natal, uma garrafa de um vinho da sua produção -, esse nobre Paxêku ria e perorava, inocente das raivas invejosas que causava por aí.
Fantasmadaopera pensou: «Este gajo é o meu primeiro e último alvo. Não vejo mais nada à frente. Eu bem o ataco, bem o caricaturo, e nada. Bem o ponho a babar-se, a urinar-se, e nada...!»
O senhor Pedro levantou-se: «Bem! O dever chama-me». E foi tomar um cafezito. Depois, regressou.
O fantasmadaopera, entretanto, considerava:
«Um verdadeiro gang tem de fazer mais do que fazemos. Bolas! Há quanto tempo não defrontamos outros gangs? Hein? Há quanto tempo não fazemos uma verdadeira arruaça? Não partimos vidros? Não vamos esperar portistas ou sportinguistas ao aeroporto para lhes dar correctivos devidos?»
O senhor Pedro, que já voltara e se sentara, sacudia a cabeça, concordando. Abel servia-se de um copinho de água, acariciando a pochete.
«Bem. O dever chama-me», lançou de novo, com um ar fatigado, o senhor Pedro. E dirigiu-se à casa de banho.
«O que eu penso que devíamos fazer», explanou o fantasmadaopera, «era livrarmo-nos de uma vez daquele traste. Que dizem?»
Vários olhares convergiram na direcção do magnífico e invejado Paxêku. Aliás, Sindroma. Aliás, Greenligth. Todo ele heterónimos, ideias, luz, brilho, cultura... As mulheres em volta riam-se perdidamente da sua última graça, de resto, de facto, muito engraçada.
O fantasma já não sabia que fazer. Um gang é um gang, não é uma ganga, ora bolas! Não se espera que passem os intervalos sentados num cantinho para onde os escorraçaram e onde ninguém lhes dirige palavra. Levantou-se. Cerrava os punhos no interior da gabardine sebenta. Os dentinhos alargavam-se-lhe na boca, de pura maldade, afatando-se muito uns dos outros.
«Queres um murro?», perguntou, furioso, a Paxêku.
«Eu, não. Porquê?», ponderou o herói, surpreendido com uma pergunta tão estúpida.
«Aaaah... nada, nada, era só para saber». E foi-se embora, desiludido. Porcaria de gang que não era capaz de aterrorizar ninguém, agora que o Greenlight velava. Aquilo não era um gang. Era uma ganga.
5 comentários:
Pensamento do dia:
Há espelhos bem esquisitos que só podem ser adquiridos em algumas lojas dos chineses...
...sindroma...desidudes- me....
sei que és capaz de melhor....
Eh pá, não digo que não. Em todo o caso, relê este mais vagarosamente. É subtil. Se calhar o subtil da coisa falhou-te aí...
...sobrestimas-te...é normal...com esse perfil...
não é uma questão de mais ou menos vagar...os burros também são vagarosos e, no entanto, pedem meças aos doutores carregados de livros...
Continuas a desiludir-me...
Justamente. Não se pode chamar ao meu nariz um «complexo de superioridade», não é? Isto é mesmo superioridade, que se há-de fazer? Quando às tuas sucessivas desilusões... Que é que isso nos interessa? Por acaso pedi-te a mão?
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