08 fevereiro 2006

«O SABICHÃO DAS DÚZIAS»: A COLUNA DO DR. DANIEL SEM-PAIO

AS AULAS DE SUBSTITUIÇÃO

Os professores, que são uns incorrigíveis chorões, queixam-se agora e, ao que parece, cada vez mais, das célebres aulas de substituição.
A primeira coisa que há a dizer acerca desta questão é, naturalmente, que as aulas de substituição deviam tornar-se um instrumento indispensável para a aprendizagem dos alunos, mais importante até, se possível, do que as aulas originais: talvez uma ideia (Meu Deus!, de onde me jorram todas estas ideias...?)fosse obrigar os poucos professores que ainda não faltam a faltar - de modo a que não houvesse senão aulas de substituição; alternativamente, poderíamos chamar a qualquer aula uma «aula de substituição», de modo a desdramatizar, a esvaziá-la do seu carácter aterrorizador.
Uma segunda coisa que não posso deixar de lembrar é que eu próprio também sou professor. Não dou aulas de substituição, mas isso não vem ao caso. Sou um professor universitário, mas também não é esse o ponto da questão: o ponto da questão é que me deparo todos os anos com alunos extremamente motivados, atentos, com elevadas expectativas e auto-estima, intervenientes e estudiosos: ou seja, a minha tarefa é muito mais difícil e muito mais ingrata do que a dos professores do ensino secundário, porque me cabe pegar nesta massa inteligente de alunos e desmotivá-la, desiludi-la, estupidificá-la, que é com certeza o objectivo do sistema de ensino português - basta observar como as coisas (não) funcionam! E consigo-o: com esforço, nas minhas mãos, perante a monotonia das minhas aulas, em pouco tempo os transformo em pataratas.
Enquanto que, pelo contrário, os professores do ensino secundário têm já entre mãos alunos desmotivados e sem interesse. De que se queixam então?

Relativamente às aulas de substituição, basta ser-se psicólogo para saber como proceder para tranquilizar o ambiente.
Note-se, antes de mais, que o professor-substituto penetra num território que lhe não pertence e lhe é, à partida, hostil: não conhece a sala, não conhece os alunos, enfrenta, pois, as carrancas de quem o não convidou nem o quer receber. Como verificamos com os lobos, com os cães ou com os gatos, a solução é principiar por demarcar o território. Como? Que pergunta: com urina, obviamente. O professor deverá firme mas gentilmente, urinar a toda a volta da sala, para que se perceba que, a partir dali, aquele passará a ser o seu território. Posso prometer-vos que, perante este acto, os alunos acalmarão imediatamente e não voltarão a falar.
A seguir, interessa criar laços. O professor deve começar por apresentar-se, dizendo o seu nome completo, e dizendo-o muito lentamente, repetindo-o bem, de forma a que consiga demorar com isso a aula inteira. Não sendo isso possível (há nomes curtos: João Silva ou Maria Papoila não demora 90 minutos a ser enunciado), o professor deverá falar de si: quais são os seus gostos e preferências, quantos filhos tem, quando e onde foi baptizado, ou se não foi, quantos gatos alberga, que manias ou tiques cultiva, que ódios de estimação, que teria feito de mal noutra encarnação para reencarnar como professor, em quem votou, qual o seu clube de eleição. Verão como tudo muda. Verão como os alunos se aguentam, suspensos, extasiados, sem abrir a boca, como se estivessem a pensar: «Mas que raio tenho eu que ver com isto?» ou «Que quererá mesmo de mim este passarão? Desconfia, desconfia!»

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