06 fevereiro 2006

OS NEGOCIADORES

Perante a perda do Benfica (atenção, eu escrevi perda= derrota: longe de mim a ideia de insultar o Glorioso), João Paulo, aliás, fantasmadaopera, completamente alterado, com os nervos estraçalhados, barricou-se na casa de banho da sala de professores, lembrando os melhores tempos do senhor Subtil, recusando-se a sair. Ouviam-se, vindos de lá, gemidos e suspiros. Embora não estivesse com reféns, punha-se um problema: havia quem precisasse de usar o sanitário, o urinol, o espelho, a torneira ou mesmo a toalha sebenta - e estavam todos impedidos de entrar.
Primeiro, bateu-se delicadamente à porta.
- Dás licença?
Veio de lá um chorrilho de palavrões.
Com o tempo, começando alguns professores a encolher-se, outros a correr de gatas pelo polivalente, sem saberem onde se aliviar, enviou-se à porta da casa de banho uma voz grave, intimidatória, precisamente a do Augusto.
- Homem: sais a bem ou sais a mal? Olha que há aqui gente aflita. Isso não te pertence.
Novo chorrilho de palavrões.

E foi esta, no fundo, a verdadeira razão pela qual a escola teve de, inspirada pelo Expresso desta semana, improvisar um curso intensivo de negociadores - que se espera que valha, aos participantes, um ou dois créditos: está em negociação.
Pelas páginas do ilustre jornal que o planetazul não dispensa (o planeta azul, esse, dispensaria bem o drástico abate de árvores que custa produzir um único exemplar espesso do Expresso), fomos todos tomando nota das regras a cumprir. Negociar com um homem nervoso, possivelmente armado, é muito perigoso.
Em primeiro lugar, ficámos a saber que o costume entre os negociadores formados em Portugal, é não se saber exactamente quem manda e quem faz o quê.
Estamos habituados.
- Pega no megafone - ordenava Pochato ao Augusto.
- Não senhor. Não recebo ordens tuas. Pega tu, se quiseres, é boa!
Finalmente, Pochato aproximou-se, o próprio, de megafone em punho.
- Não é assim - avisava Augusto. - Estás a falar para a pochete com o megafone debaixo do braço. Deves fazer o contrário.
Excelente oportunidade para Pochato se vingar:
- Desculpa lá! Não recebo ordens tuas, tá bem? - E continuava teimosamente a falar através da pochete.

Outra coisa que o grupo tinha aprendido, é que alguns erros são fatais:
«Dizem os entendidos [cito] que a pior coisa que se pode dizer a um indivíduo desesperado é "tenha calma!" Os níveis de ansiedade sobem logo, e o mais certo é a resposta ser "vai mas é pr' c..."».
Sobre o que significa aquele «c» seguido de aspas, num jornal tão selecto, podemos apenas especular: «Vá mas é pró carro»? «Vá mas é pra casa?»
Continuávamos a ler:
«Mais de metade da comunicação é corporal, desde os gestos às inflexões de voz»: por esse motivo, Pochato iniciou uma esplêndida dança espanhola, usando megafone e pochete como castanholas, enquanto inflectia a voz.
Augusto, entretanto, resolveu sair da escola para medir o vento.
- Para quê? - perguntaram-lhe.
- Ah, eu cá sigo a cartilha. Está aqui que os atiradores especiais medem o vento.
- Mas nós temos atiradores especiais?
- Não, não temos. Mais uma razão para medir o vento. Já que nos falta uma coisa, não queremos que nos falte outra...

- Ouve! - gritava Pochete para a porta trancada, citando cuidadosamente palavras do Expresso: - «Queremos obter» - lia ele - «uma solução sem vencedores nem vencidos...»
Ouviu-se um urro inumano do interior da casa de banho.
Era o fantasmadaopera:
- SEM VENCIDOS??? SEM VENCIDOS??? ESTÁS A FAZER TROÇA DO BENFICA??? ESTÃO TODOS A GOZAR??? ESTÃO TODOS A GOZAR???
- Tem calma!!! - distraiu-se Pochato.
Era um dos erros fatais.
Tinham sido as suas últimas palavras...

2 comentários:

PLANETAZUL disse...

Continuas a provocar o Abel... No outro dia era BELO para aquí, BELO para acolá (parecia um belo mandado), hoje com a conversa de não haver vencidos nem vencedores estarás a insinuar que o rapaz é um autêntico EMPATA? Cuidado, andas a pedir chuva!...
Quanto ao abate de árvores concordo contigo, mas prefiro ler o Expresso em casa do que estar empoleirado numa árvore por abater...gostos!

Anónimo disse...

Negociadores há muitos! a diferença está entre aqueles que efectivamente o são, e aqueles que parecem sê-lo, ou provisóriamente o são, e têm que concorrer todos os anos.Perdão, todos os triénios!
E depois há aqueles com formação específica, apesar de terem de mudar de grupo que, quando os créditos ainda davam promoção, digo progressão, se empandurraram de acções creditadas...
Como podem ver, isto exige um curso só para poder destinguir os negociadores autênticos (com selo de certificação)dos outros, os amodores cheios de boas intenções.