15 fevereiro 2006

OS SUPER-HERÓIS NO DIVÃ

O Dr. Sampaio, eminente psicólogo nas horas vagas do seu trabalho como opinador acerca do que os professores deveriam fazer, tem recebido no consultório uma série de super-heróis em crise, entre os quais, ao que sabemos, Greenlight, Elastigirl, Lara Croft, Sky Snake, Black Knight, Supersseca, Soneca Atómica, Senhor Gonçalves, Mandriãoke, Bigode Louco, Mãos Paraquetekero, Nabo Voador e muitos outros.
Tivemos acesso a algumas gravações, que iremos passando se, entretanto, não houver buscas ao blogue.
Iniciamos a reprodução com a sessão de Greenlight, que ultimamente tem andado um pouco apagado.

GREENLIGHT - Doutor, sou o último exemplar de uma espécie em vias de extinção. E como não me ando a sentir lá muito bem, será que já principiei mesmo a extinguir-me?
DOUTOR (paciente, monocórdico) - Quem, ou o que é exactamente o senhor?
GREENLIGTH - Um super-herói, evidentemente!
DOUTOR (paciente, monocórdico) - Ah, sim senhor, muito bem. (Primeira lição: nunca contrariá-los). E o que lhe deu essa ideia?
GREENLIGHT - Antes de mais, este uniforme.
DOUTOR (paciente, monocórdico e curioso) - Bem, bem, bem. Isso é um uniforme? Pensei que fosse a sua roupa interior. Muito bonito, muito bonito. Então, e que mais?
GREENLIGHT - Além de tudo, tenho superpoderes. Superaudição, por exemplo. Não me escapa nada. Mesmo quando estão a falar em surdina.
DOUTOR (paciente, monocórdico, com alguns sinais, ainda leves, de enfado) - Já experimentou usar tampões?
GREENLIGHT (ofendido) - Tampões? Ó senhor doutor, eu uso esta roupa mas não sou uma mulher.
DOUTOR (monocórdico) - Não é isso, digo tampões nos ouvidos. Adiante. Enfim, tem mais poderes? Supervisão, não?
GREENLIGHT (orgulhoso) - Não, mas sou dotado de um outro: supermiopia.
DOUTOR (monocódico mas ligeiramente impaciente) - Então, de que se queixa, afinal? Um super-herói deve andar a super-heroicar por aí...
GREENLIGHT - Mas eu principio a questionar-me, sabe? Isto já não é tão divertido como antes. Salvar o mundo é uma tarefa que me pesa. Lutar contra os maus torna-se aborrecido. Por exemplo, no outro dia tive de intervir e atirar com um potente olho contra o punho de um dos meus inimigos, o Barrete Verde. Depois, fico com pena dessa gente, mesmo dos maus. Mais: escrevia coisas para o blogue da escola, e comecei a perceber que havia quem se sentisse ofendido... custa-me!... pesa-me tudo! E não é só isso. Já que falo do blogue...
DOUTOR (farto, embora monocórdico)- Sim?
GREENLIGHT - No outro dia, o planetazul postou lá um texto magnífico. As pessoas dizem muito bem daquilo, que o homem é muito sensível, e tal... e depois eu tenho logo de tentar fazer melhor se não, morro de inveja. Um texto sobre o relógio e o tempo...
DOUTOR (com uma ponta de curiosidade na voz monocórdica) - Ai é?
GREENLIGHT - Pensei num assim, que acha? - «O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo responde ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem...»
DOUTOR (monocordicamente irritado) - Isso é velho...
GREENLIGHT (pensativo) - Pois é. Além disso não tem relógio. E se fosse assim: «O tempo pergunta ao relógio quanto tempo o relógio tem. O relógio responde ao tempo que o relógio tem tanto tempo quanto...»
DOUTOR - Estou a ver o seu problema. Deixe-me só fazer um telefonema...
GREENLIGHT - Ou então... veja lá: «Certo dia o tempo e o relógio encontraram-se (embora estejam todo o tempo juntos). O tempo, revoltado há muito tempo, disse ao relógio tudo aquilo que, há tempos, vinha juntando...»; mas não, ia haver logo quem dissesse que se tratava de um plágio meu, embora o planetazul tenha escrito «vinha guardando», e não «vinha juntando»: «vinha juntando» é inteiramente da minha autoria, mas as pessoas não são capazes de notar essas subtilezas.
DOUTOR (ao telefone) - Está? É do HOSPITAL VOANDO SOBRE UM NINHO DE CUCOS? Sou eu... sim, o doutor. Olhe, precisava que me mandasse aqui uma ambulância. Estou? E uma camisa de forças. Sim, de preferência verde, muito brilhante. Não demoram? Óptimo. Ah, já oiço as sirenes. Muito bem, obrigado e até já. (Segunda lição: atalhar rapidamente o mal pela raiz). Pronto, caro amigo, o seu problema vai ser resolvido.
GREENLIGHT - A parte sobre fazer amor, lá no poema, é gira. O tempo já não dá tempo para se ver a lua, nem para fazer amor... que acha? Eu podia dizer assim: «O tempo já não tinha tempo para fazer amor com o relógio...» É interessante, não é? Surrealista.
DOUTOR (para uns senhores de bata branca, que vêm entrando ruidosamente) - É este. Um caso de dupla personalidade histérica com invejinite agravada. Chamem-lhe sempre Greenlight, está bem? Nunca se lhe refiram como «maluco» (terceira lição).
UM DOS ENFERMEIROS - Bora, pessoal! O maluco é o gajo de collants!!!

2 comentários:

Anónimo disse...

E para quando uma condecoração monocórdica para o ilustre doutor? Com a febre "condecorosa" que para aí vai, já não deve faltar muito...

Anónimo disse...

Todos ficámos a saber ontem pela TV que as condecorações esgotaram, e foi necessário meter mais pessoal para trabalhar afincadamente com vista á reposição do stock. Parece que, no entanto, tinham uma Grã-Cruz da Ordem de Cristo que tinha sido devolvida (vá-se lá saber por quê)que iria bem ao Doutor. Note-se que só uma paciência de Cristo pode tolerar tamanha petulância("Perdoai-lhe Senhor, porque ele não sabe o[mal] que faz!")