16 fevereiro 2006

A SURPRESA DO CHEFE

Chefe Lucas preocupava-se: a sua tendência, quase diria a sua vocação para julgar que o estavam culpando de alguma coisa fazia-o ler estranhos e assustadores sinais no comportamento dos que o rodeavam. Parecia-lhe que se tinham zangado colectivamente com ele. Mas porquê? Que fora desta vez? Que diacho acontecera?
Não tinha dúvidas de que, por exemplo, nessa manhã, ao entrar no CE, surpreendera uma conversa em voz muito baixa. Bem: as protagonistas eram Lúcia e Anabela. O chefe pensou: «Sim, eu sei que estas são as tais que falam baixinho, mas isto é normal? Não estarão a exagerar?» - note-se que Lúcia e Anabela comunicavam uma com a outra através de linguagem gestual - que é falar ainda mais baixo do que costumam - e se interromperam assim que ele entrou.
Após isto, francamente incomodado, o chefe decidira dar uma volta pela escola, muito peripatético, imerso nos seus pensares. Mas dir-se-ia que os próprios alunos o evitavam, olhando-o de lado, com os cigarros escondidos, como se temessem que ele quisesse pedir-lhes tabaco.
Estranho. Estranho.
Já na sala de professores, ou por onde quer que andasse, ia provocando estranhas, suspeitas e abruptas vagas de silêncio, de súbitas interrupções em conversas animadas, de tosses nervosas, como se as pessoas, ao vê-lo, desatassem a prevenir-se umas às outras de que ele acabara de entrar.
Diacho!
Com o tempo, contudo, foi intuindo, ou foi-se convencendo de que não era nada de mal. Pelo contrário: queriam certamente fazer-lhe uma surpresa. Só podia ser isso. Sorriu sozinho. Gostava tanto de surpresas! Hum! Claro, nem todas. Disparar o alarme do refeitório como se fosse um fora-da-lei, por não ter marcado previamente a refeição no cartão, não fora uma surpresa agradável: a polícia entrando de escantilhão, às apitadelas, «Quem foi? Quem foi?», dedos apontando cobardemente para ele, interrogatórios na esquadra: nada disso fora, definitivamente, boa surpresa. Ora ele apreciava surpresas boas. Prendas. Uma prenda.
A sua atitude defensiva mudou a partir do momento em que entreviu essa possibilidade. A sua alma distendeu-se. Fingiu que ignorava tudo, interiormente muito satisfeito com a sua perspicácia e com a perspectiva de ser presenteado.
Seria um casaco novo? De veludo costeleta? Ou uma lâmina especialmente preparada para não rapar? - É que adorava o ritual de fazer a barba, mas odiava ver-se de barba feita...
Principiou a sentir que o dia «d» se aproximava. Intuitivo como era, os pormenores não lhe escapavam: a pochete do Abel estava toda aperaltada nesse dia, as professoras de ciências tinham vestido batas novas, os professores de educação física vinham com fato de treino e gravata, enfim, sinais muito positivos.
Ana Páscoa dirigiu-se-lhe.
O chefe mal se continha.
- Lucas - disse a chefa ao chefe - enviaram uma carta da presidência da República. Vais ser condecorado.
A frustração não podia ser maior.
- Não - bradou - por favor não, isso não, isso não. Faço tudo o que quiserem. Isso não. Nãããããoooo!!!

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