18 março 2006

AUTORIDADE

(Deixem-me partilhar convosco este texto do Expresso do brasileiro Luís Veríssimo)

Os filhos nunca acreditam que crescer é perigoso. Não adianta avisar para continuarem crianças. Eles crescem e vão embora. E depois se queixam.

Tem a história daquele pai que concebeu dois filhos de barro, Adão e Eva. Naquele tempo não precisava mãe. O pai fez o que pode pelas crianças. Elas tinham tudo, nunca lhes faltou alimento ou agasalho. Se queriam um cachorro ou um macaco para brincar, o pai fazia. Se queriam uma pizza, o pai criava, ou mandava buscar. Se queriam saber como era o mundo lá fora, o pai dizia que não precisavam saber. Eles não eram felizes não sabendo nada, ou só sabendo o que o pai sabia por eles? A felicidade era não saber. As crianças eram felizes porque não sabiam.

O Adão ainda era acomodado, mas a Evinha... Um dia o pai pegou descascando uma banana. Nem ele sabia o que a banana tinha por dentro, mas a danada da menina descobriu e antes que ele pudesse dizer "Dessa fruta não co..." ela já tinha comido. E gostado. Foi então que ele decidiu impor sua autoridade paterna, pelo menos na área dos hortifrutigranjeiros, e determinar que frutas do quintal podiam e não podiam ser comidas, e escolheu uma fruta como a mais proibida de todas, pois se comesse dela a menina saberia. Saberia o quê? O pai não especificou. Só disse que o que saberia seria terrível e que depois não se queixasse.

E Eva comeu da fruta mais proibida, claro e o pai foi tomado de grande tristeza. E disse a Eva que agora ela sabia o que não precisava saber e que nunca mais seria a mesma.
- O que eu sei de tão terrível que não sabia antes?-perguntou Eva, ainda mastigando a fruta proibida.
-Que você pode desobedecer. Que você pode escolher e pensar com sua própria cabeça e me desafiar...
E então o pai disse a frase mais triste que um pai pode dizer a um filho:
Que você não é mais uma criança.

E Eva cresceu diante dos olhos do pai, e no momento seguinte já estava dizendo que queria morar sozinha e fazer bolsa de inglês em Nova Iorque e saber como era o mundo lá fora. E o pai suspirou e disse que ela podia ir e que levasse o palerma do Adão com ela. E que os dois jamais voltassem e pedissem a sua ignorância de volta.

Quando contou esta história a outro pai, no clube, o pai abandonado ouviu do outro que a sua história não era nada.
-Pior aconteceu comigo e com o meu Prometeu. Ele era um óptimo filho. E como me admirava e respeitava! Para ele, era eu no céu e eu na terra também. Ele tinha tudo em casa, e eu o protegia com o meu poder. Ele também era feliz e não sabia, ou era feliz porque não sabia. E não é que um dia descobri que ele tinha roubado o meu fogo para dar aos amigos? Logo o fogo, o símbolo do meu poder e da minha autoridade, distribuído entre outras crianças ingratas como cigarros roubados.
-Você o expulsou de casa, como eu?
-Não, amarrei numa pedra, para os abutres comerem o seu fígado. Eu sou da escola antiga. (Quando tinha ainda secção!)
Tem que dar o exemplo. Senão, não demora, estarão todos os filhos achando que sabem mais que nós e roubando o nosso poder.
E depois, quando não dá certo, se queixando.
-Exacto.

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