28 março 2006

COMO SER FIXE SEM TER DE SER SOARES: AS EXPERIÊNCIAS DE JUSTO FIXOLA, PROFE À MANEIRA

O meu nome é Justo e os garotos tratam-me carinhosamente por Fixola. Sou um profe aberto a quase todas as experiências em que os alunos me queiram iniciar. É a forma de me manter permanentemente jovem e culto. Sou um homem ilustrado. Quem me ilustrou, aliás, foi o Porreta. Fez-me várias tatuagens nos braços. Não usou agulha, porque isso parece que dói que não é lá brincadeira. Mas usou guaches. Pintou-me, num braço, uma águia feroz a furar com o bico o olho de um lagarto, enquanto com as garras quebra a coluna de um dragão. No outro braço, desenhou uma folhinha, que não sei exactamente o que significa, mas ou é o símbolo do Canadá (uma folha de plátano em ponto pequeno, não é?), ou a parra de Adão, ou uma espécie de trevo bizarro para dar sorte; tem, porém, uma inscrição enigmática por baixo: LIBERALIZAÇÃO JÁ! É uma graça, penso eu; O Porreta, que é um bem intencionado, devia querer referir-se à liberalização da sorte, de maneira a que toda a gente tivesse direito a um pouco de sorte neste mundo de azarentos. Seria isso...?

Também não me importo de usar um boné que eles me ofereceram. É bem bonito, à João Rôlo. Mas, por exemplo - para verem que mantenho uma certa compostura, que não cedo em tudo - não aceitei que me pusessem piercings. Até me arrepiei com a ideia: é que eles falavam em pôr-mos num órgão que eu gosto de trazer guardado, que não ando por aí a exibir (era o que faltava), e para que reservo outras funções que não meramente decorativas: a língua. Nem pensar, disse-lhes eu. Com a língua falo e saboreio. Mais nada.

Não deixo, obviamente, de ser um educador. No outro dia, num banco à porta da escola, por exemplo, vi que estavam uns miúdos a fumar e senti necessidade de dizer-lhes que isso fazia mal à saúde, que atacava os pulmões, etc e tal. Embora, depois, ficasse com pena deles, coitados, porque a juventude não tem muito dinheiro, de modo que só tinham um cigarrito, que eles próprios haviam enrolado com os dedos, e que iam passando de mão em mão, a chupar com uma força doida, como se o quisessem engolir. Aí, confesso, fiquei com pena da rapaziada, e lá acabei a partilhar com eles o cigarrito que a sua mesada curta consentia.
Aquilo era giro. Os miúdos iam lançando exclamações de prazer: «Iáh!», «Booom», «Curtido!». Pareceu-me que um deles fixava atentamente um pedregulho que ali estava no chão. Devia ser verdade, porque, a seguir, comentou: «Q'a g'anda pedra!». Concordaram todos: «Iáh, meu!», «De mais...». Também concordei: era, de facto, um pedregulho gigantesco, mesmo ao pé do meu pé.
Não estou habituado a fumar: fiquei, até, com uma espécie de zoeira; mas depois, certamente por causa da companhia daquela juventude, comecei a sentir-me muito relaxado, muito tranquilo, completamente em paz com o mundo inteiro...; e tive mesmo, reparem, a sensação curiosa de que levitava, de que eu já não era eu. Interessante. No fundo, como a companhia de jovens nos faz sentir tão jovens...!

O problema é sempre a incompreensão. Por exemplo, umas garotelhas estúpidas riem-se quando se cruzam comigo e reparam no que trago escrito na minha t-shirt: «Just do all you want with me: I'll love it». Vá-se lá saber porquê.
E um puto ordinário, ao ver-me passar de prancha de skate debaixo do braço (o Porreta quer dar-me umas lições de skate), gritou-me: «Ei, cota! Isso é o novo modelo de cadeirinha de rodas, para te deitares nela em vez de te sentares?» Imbecil.
Mas a mais incompreensiva de todos está na minha prória casa, vive comigo todos os dias, dorme comigo na cama. É a minha mulher.
A minha mulher manda-me lavar as tatuagens - coisa que eu prometi ao Porreta que não faria, porque ele quer bater um record: quer ver se aquela tinta se aguenta um mês nos braços de um gajo.
A seguir, a minha Catarina desata a achar estranho tudo o que eu digo. Afirma que estou demasiado lento, que rio muito, e quer saber se bebi. Por fim, pergunta-me o que fumei.
- Um cigarrito com uns putos!
- Que tipo de cigarro...? - insiste ela, não percebendo a minha alegria, a minha vontade de paz e de amor. Sei lá eu que tipo de cigarro!
Põe-se-me então a fungar-me à volta.
Finalmente, remata:
- Ao que tu chegaste!

Vejam lá ao que chegou mas foi a incompreensão do mundo. Ser fixe não é para qualquer um.

ADVERTÊNCIA: Esta história é uma pura peça de ficção. Não se deve tomar como propaganda à escola (do ponto de vista de alguns) nem como uma história de terror para os pais. Não existe um tal professor. Não existem tais alunos. Não existem, que eu saiba, tais rituais. O referido pedregulho não existe. Pergunto-me muitas vezes, de resto, se eu próprio existo!

2 comentários:

Anónimo disse...

E comentários,será que existem?

Anónimo disse...

MUUUUUUUUUUUUUUAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH! ca ganda pedra. ah e tal. afinal não.