11 março 2006

De Papinho Cheio

Que prazer! Que satisfação! Que maravilha!Foram todas estas exclamações que me acudiram à mente depois de assistir á projecção de um dos melhores exemplos da cinematografia internacional. Estou a falar da obra prima de Visconti "Il Gatopardo" (O Leopardo). Aquilo é que é cinema! São três horas de envolvimento total, que passam num ápice e que se lamenta terem chegado ao fim. É um filme antigo que vira em tempos, mas do qual retinha remotas lembranças. A acção passa-se no final do século XIX, na Sicília, quando os grupos liderados por Garibaldi tentam unificar a Itália e organizar uma sociedade menos estratificada. A personagem principal, magnificamente interpretada por Burt Lencaster, é um digno representante da aristocracia local, um princípe que, compreendendo com enorme inteligência e lucidez o seu papel no contexto de que é protagonista e joguete, interpreta com rigor toda a carga simbólica da frase mais significativa e carismática do guião do filme: "É preciso que tudo mude para que tudo continue como está". É assim que, consciente desta realidade, se conduz a si e á sua numerosa família com a maior coerência, naquela sociedade Siciliana, microcosmos em transformação, tão difícil e conturbado. Esta, para mim, foi a personagem mais fascinante, não só pela forma de actuar, como pelo conteúdo dos seus diálogos, análises e reflexões que fazem dela a mais completa, quer em termos humanos, quer políticos, quer sociais. A actualidade das suas ideias é tão óbvia que, não fossem os cenários e o guarda roupa, seriamos levados a pensar que tudo decorria nos dias de hoje, que os meandros políticos e sociais eram os mesmos, as sociedades nada evoluiram e que, de facto, toda e qualquer tentativa ou sacrifício para melhorar o mundo em que vivemos, não resultaram nem resultam em nada. Se, por um lado o Príncipe de Salina (a referida personagem principal) se revela um ser esclarecido, culto, actualizado, progressista, por outro, ele não prescinde dos princípios aristocráticos que sempre fizeram parte da sua vida e que lhe dão força para lutar pela conservação da sua Sicilia agora tão fragilizada pelos mais variados jogos de poder. É mais uma vez com extrema lucidez que ele consegue que esses mesmos princípios e preconceitos próprios de uma classe social muito fechada, rígida e tradicional, não o desviem do rumo certo, coerente, inteligente da sua forma de actuar. Depois, surge-nos a personalidade do homem com toda a complexidade própria do tal ser culto, inteligente, informado, perspicaz, sensível, capaz de ultrapassar dificuldades e que se revê no jovem sobrinho, também ele inteligente, activo, sensível, fogoso, cuja vida sentimental desperta no tio, não só alguma da alegria e do optimismo da juventude passada, mas também a nostalgia própria de quem tem consciência da realidade presente e sabe que o entusiasmo, a força, a fogosidade em tempos vividos, a ordem natural das coisas não lhe permitirá fruir de novo. Muito mais haveria a dizer deste magnífico filme que tão bem nos descreve os rituais de uma classe privilegiada em tempos de crise, da sua relação com a Igreja e com uma burguesia ávida de visibilidade que traduz nas mais variadas manifestações de novo-riquismo e mau gosto, também eles tão característicos dos nossos dias.

6 comentários:

PLANETAZUL disse...

«É preciso que tudo mude para que tudo continue como está».
È realmente um filme espectacular.
Mestre Visconti no seu melhor.

Lara Croft disse...

Já estava com curiosidade de ver "O Leopardo". Vou seguir a tua recomendação! E por falar em jogos de poder, aqui fica uma sugestão: não percam o "Syriana".

Ana C Marques disse...

Boa, Lara, também gostei do "Syriana" e teria adorado se os meninos das pipocas me tivessem deixado concentrar no denso enredo.

Abelha Maia disse...

pastilha trideeeente!
pq não usas os teus superpoderes para colares as pipocas aos dentes dos roedores, assim já não faziam varulho!topas?

Paula Thrombone disse...

Lá porque mudaste de fatinho não quer dizer que te ponhas a dar palpites

Abelha Maia disse...

trombone, ficar te ei eternamente agradecida por teres reparado no meu novo tailleurzinho! foste a única a reparar k o meu estilista tinha mudado( eu incluída!!!)