Fantasmadaopera, que já não conseguia impressionar com as suas malvadezas bloguianas, mudara então de táctica: experimentava, agora, «retirar-se». Andava triste, com o bigode cabisbaixo, uma passada sorumbática, um olhar de cão abandonado. Durante algum tempo, a nova táctica deu os seus frutos. A abelha maia chorava pelos cantos, enquanto fabricava os seus brinquinhos de mel, colarzinhos de mel, pulseirinhas melosas. O blogue, sem a intervenção cáustica do fantasmadaopera, estremeceu durante uns dias. Mas como o tempo, esse pérfido ingrato, tudo envelhece e tudo faz esquecer, o fantasmadaopera, que não havia maneira de intervir, principiou a apagar-se. Mesmo a abelha maia, que lá ia lançando, de vez em quando, um soluço, um suspiro tristonho, às vezes tinha de se perguntar a que se devia toda aquela tristeza...
Fantasmadaopera procedeu, então, de modo a recuperar o seu prestígio e o seu poder.
Raptou uma cadela de olhos azuis que andava, cheia de febre, pela escola. (O fantasma nunca se teria metido com um animal que não estivesse prostrado e febril).
«Agora vão reparar em mim», setenciou o Senhor dos Bigodes.
Em sua casa, Greenlight ouviu o apelo mudo da cadela. (Não deixes passar esta incongruência, planeta: como é que se «ouve» um «apelo mudo»?). Não tivera tempo para se equipar. «Mudo-me no carro», pensou. Mas, ao sair de casa, a sua doce gazelinha perguntou-lhe: «Já deste o biberão à bebé?». «Não posso», respondeu: «tenho de ir em socorro...». «Sim, sim, sim», ironizou a doce gazelinha, «já conheço a tua conversa de chacha. Quando não estás no blogue, estás a inventar desculpas para não trabalhar. E que desculpas! Combates para salvar a humanidade...!? Que raio de subterfúgio para não dar o biberão à menina. Deus do céu, por que terei eu casado com uma criança grande?» E, assim falando, enfiou-lhe a menina, coitada, que ria muito para ele, num braço, e um biberão de leite quentinho no outro. Greenlight percebeu, por fim: a menina nem sequer estava a rir para ele, mas para o biberão.
Entretanto, Sky Snake preparava-se para salvar a canídea raptada. Mas, pelo caminho, fantasmadaopera espalhara, como quem espalha berlindes para que os outros escorreguem, uma panóplia de tentações a que nenhuma super-heroína poderia resistir. Dera-se ao trabalho, a sanguinolenta criatura, de abrir teatros, cinemas, galerias, de encher o percurso de Snake de pérolas culturais, um bailado aqui, uma ópera ali, uma exposição além, Abelha Maiakovski, Kandisnky, Brecht, Visconti, Fellini, o Palhaço Pepito (da Pré-Ordem dos Professores), um nunca acabar de diversões para o espírito, que fazer?, Espera aí, cadelinha, já lá vou, olha, olha, a apresentação do último livro da Isabel Rainha, olha, a pintura de Frida Khalo, como terei forças para resistir...?
Nesse interim, Lara Croft detinha-se à porta da escola, ante uma longa fila de alunos que aguardavam para picar o ponto.
«Uma super-heroína também espera na fila? No momento em que vai em missão?»
Perante tal dilema, perdeu alguns minutos do seu tempo precioso. Por fim, respeitadora, pôs-se na bicha, de cartão em punho.
Na guarita, um senhor seco, incumprimentador profissional, que só dera os bons-dias uma vez na vida e ficara três semanas de cama por esse esforço de simpatia (ainda por cima inutilmente, uma vez que ninguém percebera, do seu bom dia, nada mais do que um ofensivo «grumpf!»), olhou-a com ar de poucos amigos. Ou mesmo de nenhum amigo. Sem se assustar, a super-heroína tentou passar o seu cartão, mas este encravara...
Mais longe, elastigirl, por quem eu devia ter principiado uma vez que é a amiga nº 1 dos animais indefesos, alongava os seus músculos elásticos para salvar a cadela. Saltitava agilmente de sítio em sítio, procurando-a nos mais recônditos locais da escola, aqueles que as pessoas procuram quando se querem esconder para não fumar, até que, inesperadamente, ouviu um crrrrrrrrac! Ah! Que era aquilo? Que dor! Um osso partido? Mas não era elástica? «Todos os elásticos têm limites», pensou. «Se querem que eu esteja no CE e ao mesmo tempo nas aulas e ao mesmo tempo a ajudar cães e ao mesmo tempo a escrever no blogue (mas pouco) e ao mesmo tempo a fazer tudo o mais, isto teria de acontecer...»
Sosseguem. A elasticada não quebrara nenhum osso, rompera simplesmente as calças: motivo suficiente, porém, para ficar retida. Não queria aparecer aos seus inimigos de calças rotas: o seu objectivo não era propriamente matá-los de riso.
Que se passava, nesse meio tempo, com Greenlight?
Estava preso no trânsito.
«Isto é ridículo», disse para si próprio, tamborilando nervosamente com o dedo. O ar estava tenso, carregado de ameaças e buzinadelas.
Bruscamente, teve uma ideia luminosa.
Abriu o vidro.
Gritou:
- Abram alas para um super-herói em missão!
Respondeu-lhe um típico português:
- Tu vai mas é "#%&@[»= que a tua mãe é uma =&$$$ e tu queres é ««??¨**»»»#$%$$%$!
Greenlight não desistiu. Abriu a porta do carro, para se mostrar em collants e capa verdes, para que entendessem que não era brincadeira nenhuma.
Houve risos, apupos, provocações, assobiadelas.
Gritou:
- Deixem o super-herói ir atacar!
Respondeu-lhe outro português:
- Vai mas é atacar para Monsanto!
Sky Snake não resistira. Mas, aplaudindo do camarote, gritando, com a sua voz bem colocada «Brrravô! Brrravô!» sentia-se culpada, intimamente culpada, e não conseguia deixar de pensar na cadela que esperava que a salvassem.
Lara Croft virou-se para o senhor seco, furiosa por o cartão estar tão encravado. Sacou das suas pistolas. «Eu tenho outro cartão, quer ver?» Preparava-se para ameaçar ligeiramente o homem, mas as suas armas principiaram a diparar imediatamente em todas as direcções; o homem cumprimentava também em todas as direcções, «Não faça isso, eu cumprimento, bom dia, bom dia, bom dia, bom dia a todos, muito bom dia, seja bem-vinda, felicidades, parabéns a você...», já não cabia em si de simpatia, mas Lara não era capaz de parar, as suas armas tinham ganho vida, era impressionante, assustador. Na confusão, a nossa heroína acabou dando alguns tiros no seu próprio pé.
Não chegavam super-heróis.
Fantasmadaopera afligia-se. A cadela afeiçoara-se-lhe. Pousara o focinho, ainda quente, na barriga almofadada do homem. Este teve de lhe dar mais um biscoito canino, que roubara ao pacote com que Fafá cumpria escrupulosamente a sua última dieta, e fez uma festa nas orelhas da bichinha.
- Seremos companheiros inseparáveis, não é, querida? Chamar-te-ei Miss Benfica!
2 comentários:
Ó Síndroma,eu sei que tu sabes que nós sabemos que tu és genial!(E até gostas...E MUIIIITOOO...)Mas desculpa lá: não acredito que o tal incumprimentador profissional tivesse dito alguma coisa, nem à força de tiroteio!Cá para mim,só é comparável àqueles bonecos dos desenhos animados que permanecem inalteráveis, mesmo após as mais drásticas situações...
É tudo verdade (o génio, que já não é nenhum segredo, o gosto que faço nisso e a inveracidade óbvia de tantos cumprimentos num tal incumprimentador). A intenção desta história é trazer o fantasmadaopera de novo à luta. Fantasma, se nem isto te pica, estás mesmo morto!!!
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