06 outubro 2006

OS FURA-FILAS

CENÁRIO: AEROPORTO DA PORTELA, ONDE UMA MULTIDÃO, EM FILA, ESPERA PARA EMBARCAR (NÃO DEVERÍAMOS DIZER «AVIONAR»?) PARA OS AÇORES

O Professor Vasconcelos e a família suspiram e gemem, no meio da fila, olhando para o relógio que teima em não dar boas notícias.
Eis senão quando, para espanto do ilustre professor, uma figura imponente, armada de um poderoso bigode, esposa, crianças e «staff», se prepara para desrespeitar a fila.
É Dom Duarte, o futuro rei de Portugal logo que o nosso país retorne aos tempos áureos da monarquia.

DOM DUARTE - Com licença, com licença! Anda lá, Zabelinha! Trazes as malas todas?
ISABEL DE HERÉDIA (Com a voz abafada ao peso das malas da família e do «staff») - Grrrumble murble vzzum
DOM DUARTE - Afonso Gabriel Daniel Miguel Manuel Catarino Fernando! Dinis Pedro João Bernardo Álvaro! Maria Franscisca Ana Adélia Lurdes Lúcia Lima! Venham, meninos, despachem-se, despachem-se!
PROFESSOR VASCONCELOS (indignado com o que o futuro rei se prepara para fazer) - Um momentinho, um momentinho. Onde é que o senhor julga que vai?
A MULTIDÃO DA FILA - (Aplaude veementemente! Vêem-se bonés atirados pelo ar!)
DOM DUARTE - Aaaaaah! Pós Açores, claro! Aaaaaah! Eu gosto muito de passar férias nos Açores. Aaaaah!
PROFESSOR VASCONCELOS - Sim, mas não vê que há aqui uma fila???
A MULTIDÃO DA FILA - (Mãos roxas de tanto aplaudir. Gargantas roucas de ovacionar. Bonés que batem no tecto. Algumas pessoas preparam-se para levar o Professor Vasconcelos em ombros).
DOM DUARTE - Uma fila? Aaaaah! Mas eu... aaaah... eu sou o rei! Aaaaah! Para mim não há filas! Aaaaaah!
PROFESSOR VASCONCELOS - Há, sim senhor. Se eu estiver nessa fila, há fila. E ninguém passa à minha frente numa fila. E diga lá àquele senhor do seu staff que escusa de estar a enfiar-se, que eu não deixo passar! Sabe que eu, se quisesse, também usava brasão? Sabe que o meu Vasconcelos é «Vasconcellos», com dois «ll», que o meu Raposo é «Rapozo», com «z»? Vasconcellos Rapozo, com dois «ll».
DOM DUARTE - Rapollo?
PROFESSOR VASCONCELOS - Vasconcellos, homem, Vasconcellos com dois «ll». E não uso isso para passar à frente de ninguém. Portanto, faça o favor, ponha-se no seu lugar. Lá atrás. Como todos!
DOM DUARTE - Aaaaaaaaaaaah!
A MULTIDÃO DA FILA - (Gritos, bonés, estalam os primeiros foguetes, Vasconcellos Rapozo é definitivamente levado em ombros, esposas choram, comovidamente [trata-se, precisamente, da esposa do Professor Vasconcelos, que vai apontando para o seu consorte e murumurando repetidamente: «É o meu marido! É este!»; alguém pergunta: «O Dom Duarte?» Mas não se ouve nada; a euforia é geral]. A tripulação junta-se à multidão para festejar. [Já ninguém percebe a ordem da fila. Há pilantras que aproveitam a euforia para passar à frente dos tansos]. Mais foguetes. Os mecânicos também se juntam à trapalhada. E aquele senhor que costuma ir para a pista, querendo jogar ping-pongue com umas raquetas enquanto ouve música de uns asucultadores gigantes sobre os ouvidos, mete-se também na festa! A consequência é que o avião já não vai poder partir. O voo é adiado para o dia seguinte. Não vai ninguém antes disso. Nem o Dom Duarte, nem o seu bigode, nem a Dona Isabel, nem o Afonso etc., nem o Dinis etc., nem a Maria Francisca etc. Fez-se justiça republicana).

Esta foi mais uma história verídica. Estou comovido!

2 comentários:

Anónimo disse...

Sensacional.... viva o humor inteligente
O resto da história ... chegará um dia em que será contada....

Vasconcelos Raposo

Anónimo disse...

Então não é Vasconcellos Rapozo? Afinal já não percebo nada!...