14 janeiro 2007

«A APOSTA» SEGUNDO MADRINHA

Para termos uma ideia, mesmo sucinta, do tipo de análise que a imprensa portuguesa vem fazendo acerca das reformas no ensino, nada como seguir a crónica publicada por Fernando Madrinha, incontornável e inimitável «talking head» da nossa praça (não confundir com um grupo musical com o mesmo nome: estou a pensar, claro, na banda «As Madrinhas do Fernando», que abrilhanta festas populares e casamentos).

Começa assim o senhor, no Expresso desta semana:

«O sistema educativo tem menos 8000 professores, menos 1600 escolas e... mais 2100 alunos.»

Pensamos nós, pesarosos: Credo! Ao que isto chegou. Bem me queria parecer que tenho turmas demasiado numerosas e que a escola me vai parecendo pequenina. Mas, continuando a ler, percebo que não tinha percebido o tom. Estes números iniciam uma apologia ao ministério porque, para o iluminado cronista, assim é que as coisas devem mesmo funcionar - um dia, porventura não muito distante, não haverá professores, ou restará a Juju, que nos há-de ainda enterrar a todos, e duas escolas para mais uns milhões de alunos. Ter-se-á atingido o clímax! O ponto «g» de madrinha!

Não o interrompamos, porém. Prossegue assim o supracitado cronista:

«Além disso, voltou a cair, nas escolas públicas, o número de estudantes por computador com ligação à Net.»

Aqui, hesito. A frase é-me enigmática porque, na minha escola, em matéria de quedas relacionadas com a Net, a única coisa que cai constantemente é a própria internet. Fora disso, também caem professores a torto e a direito. Não sei porquê, é estranho, mas escorrega-se um bocado para estes lados...

«Mais alunos com menos gastos, portanto, e com melhores condições.»

Ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah!
Sou um admirador e, dentro das minhas óbvias limitações, um discípulo deste estilo de abordagem da realidade, sarcástica e deliberadamente surrealista, aliando a estatística à fantasia e ao humor de cor. (Digo assim para evitar a politicamente incorrecta expressão «humor negro» com que, se calhar, me apodariam de racista). O senhor madrinha reúne, numa só pessoa, Asimov e Seinfeld. Que brilho!

Mais, quero mais:

«Se os números estão certos, a realidade está a mudar.»

Com a breca. Nem essa outra brilhante intelectual do nosso burgo, a nobelizável Lili Caneças, diria tão bem. Quando as coisas mudam, isso só pode querer dizer que elas estão a mudar.

Há mais umas linhas que salto, para poder mais tarde plagiar, apresentando-as como da minha própria lavra e, por fim, madrinha afirma prazenteirmente:

«O país e a ministra podem ganhar a aposta»

É esse o meu medo. Também me parece que possam ganhar a aposta. O que me assusta nisso, é que tenho uma desconfiança muito pessimista acerca do que a ministra apostou...

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