02 janeiro 2007

A CONFISSÃO DO FANTASMADAOPERA

Todo o mundo se pergunta pelas razões da minha persistente ausência deste blogue. Ora eu desapareci, porque sou um homem marcado pelos meus traumas de infância. Adivinho daqui os habituais cínicos a interrogarem-me, com sorrisos melífluos: «Mas, ó fantasmadaopera, se tiveste esses traumas NA INFÂNCIA, por que razão só agora decidiste desaparecer?» Pronto, está bem: não sou lá muito rápido!

As pessoas afiançam-me de que estou bem conservado. É verdade. Sou, hoje, exactamente como a criança daquela altura: muita parra e pouca uva, que é como quem diz, muito corpo e pouca cabeça. Quando tudo começou, estava eu, então menino, refastelado na poltrona, com os pés sobre uma mesinha - que é, ainda, a minha maneira de estar, uma espécie de imagem de marca, prova de que mantenho os meus modos de puto reguila -, quando a mãe me gritou: «Tira as patas da mesa, e já!»

Entretanto, tocara a campainha: era uma Testemunha de Jeová. Muito contente com aquela visita - porque nunca tínhamos visitas... -, a mãe mandou-me para o quarto. Fui, sim senhor, mas tudo aquilo me enervara, de modo que voltei logo, fazendo um grande escarcéu, berrando que me ia suicidar, com as mãos cheias de carteiras de comprimidos. A mãe disse-me, então, tirando-me os comprimidos:
- Tens razão, filho, é a hora do meu medicamento. Obrigada! Dá cá. E volta já para o teu quarto...!

Subi novamente, mas tornei a descer de imediato, gritando cada vez mais, desta vez com uma faca nas mãos, pronto a fazer ali o meu hara-kiri.
Ao mesmo tempo que ouvia a Palavra de Deus, pela boca, muito babada, da senhora dona Testemunha, e querendo retê-la - porque, ao fim de um certo tempo, até as Testemunhas de Jeová nos achavam uma seca... -, a mãe preparava-se para lhe oferecer chá e bolos, de modo que me arrancou rispidamente a faca das mãos, dizendo:
- Sim senhor, era mesmo disto que eu precisava para cortar o bolinho à senhora dona Testemunha, dá cá, dá cá. E volta para o teu quarto.
Ao fundo, a televisão começara a tremer, cheia de chuva e de relâmpagos, mostrando a imagem desfocada da Ministra da Educação, que alguém entrevistava...

Tornei a subir ao meu quarto, voltei num grande alarido, com uma corda. Era teatro, naturalmente, porque eu nem sequer saberia fazer o nó. Eu, coitado, nem atar os sapatos...!
Gritava:
- Desta vez ninguém me impede! Ninguém me detém! Penduro-me já do tecto!!!
O que a mãe aprovou, empurrando-me, por uma escada torta e empenada, para o telhado:
- Vais arranjar a antena da televisão, não é filho? Boa ideia! E leva a corda, sim senhor, para prenderes a antena, ou para te prenderes tu próprio, não vás cair...

Ao fim de todos estes anos, decidi-me por fim. É o meu último golpe. Desapareci. Continua a ser teatro. Estou, no fundo, à espera de que me venham buscar. Alguém, caramba! Nem que seja uma Testemunha de Jeová. Infelizmente, o azar persegue-me, porque parece que é ponto assente entre as Testemunhas de Jeová que eu sou uma melga. Fogem-me muito.

Estou por tudo. Mas parece que até o pochato me acha... um chato. O que diz tudo!


Impacientemente à espera seja lá de quem for,

Fantasmadaopera

Sem comentários: