20 janeiro 2008

UMA NOVA CARTA À DRA. RUTH: «QUANTO MAIS ME BATES, MAIS GOSTO DE TI: QUE FAZER?!»

Querida Dra. Ruth:

Ajude-me, por favor.
O maior prazer de que me lembro, foi o de, ainda criança, muito criança, estar sentado num degrau, com as mãozinhas apoiadas no chão, quando, inadvertidamente, uma senhora poisou sobre uma das minhas mãos o salto alto e pontiagudo do seu sapato, tipo agulha, como se me quisesse cravar a mão ao chão; recordo-me de que não só não chorei, como fui invadido por uma onda de prazer desconhecido, que me percorreu o corpo todo. A minha vida sexual é, num certo sentido, bastante rica e bastante intensa: sempre que me entalo, que me corto, que sou agredido, esfaqueado, esbofeteado, que estou numa reunião de departamento, sinto gloriosas ondas de gozo!

Mas não pense que nisso reside o meu problema. Não. O meu problema é que eu sou professor, Dra. Ruth. E, como tal, deveria estar indignado e revoltado com a forma como a senhora dona Lurdes tem tratado os professores - ou seja, abaixo de cão! Os meus colegas esperam, de mim, que me sinta frustrado com as trapalhadas e as inépcias ministeriais, as lutas pela titularidade, a multiplicação do tempo que passo na escola, cada vez mais vão e mais vazio, menos dedicado aos alunos, com o próprio discurso da senhora e dos seus subalternos...

E a verdade, Dra. Ruth, é que eu não consigo indignar-me. Porque, secretamente, me apaixonei pela senhora dona Lurdes, eu que, toda a vida, sonhei encontrar uma mulher que me desprezasse e falasse assim, que me tratasse assim, com aquela voz rancorosa e aquele fácies duro. Que hei-de fazer? Responda-me, Dra. Ruth. Suplico-lhe.

João Rama Zoquista


Querido João:

Continue, secretamente, a sonhar com a sua paixão. Entretanto, junto aos seus colegas, participe nas manifestações contra a ministra. Mostre-se raivoso. Erga no ar as faixas com as palavras de ordem mais duras. (No entanto, eis o pequeno segredo que o pode ajudar, aproveite para deixar que os paus das faixas lhe batam na cabeça; peça às colegas que levam o material em tróleis, que lhe passem com os tróleis por cima; deixe cair máquinas de costura no dedão do pé, como outros já fizeram; ou seja, retire também prazer do protesto...)
Gosto muito de ajudar.

Sempre à sua disposição,

Dra. Ruth

Sem comentários: