A aula iniciava do modo habitual, isto é, em pleno burburinho. Ainda antes de começar as actividades, Ruizinho aproximou-se de mim e perguntou: “Stôra, existem testes de virgindade? Não, pois não? Eu sabia, claro que isso não se pode ver!” e virou costas ainda antes de eu ter oportunidade de lhe responder. A turma começou a trabalhar depois de eu ter exposto a matéria, não sem ter sido interrompida meia dúzia de vezes para fazer calar alguém.
Aproximei-me então da mesa da Bélinha, (que desenhava uma figura feminina, com as mãos atrás das costas “mas de saltos altos para sair à noite”) e diz-me, alto e bom som: “Posso ir lá fora mudar o tampão?”. Foi. Mas desta vez, e para variar, voltou.
Ruizinho pergunta-me “Conhece a Ritalina? É que eu dei-lhe um beijo na boca”.
Entretanto, o Faustino passeia-se pela sala a pedir material emprestado, tal como o Firmino, o Tolentino e o Toninho, que teima em justificar-se que nunca é ele que faz barulho mas que só refilo com ele. Ruizinho, olhando para fora da sala, grita “Tas bom ó Zeca?”, dirigindo-se ao funcionário da escola.
Aninha vocifera contra o calor e vai despindo a camisola, indiferente às minhas repreensões. Continua, ajudada pela Bebé, e consegue despir a camisola que traz por baixo, ao que se segue uma grande e previsível algazarra, “stôra, ela mostrou o sutiã!”. Repreendi-a, chamando a atenção para os modos desadequados, para as atitudes impróprias para a sala de aula. Uma e outra vez. Não lucrei nada com isso, porque em breves minutos tudo se repete: um que se levanta, outro que rouba material, outro que refila, aquele que manda coisas pelo ar, dois ou três que me perseguem sala fora para pedir ajuda no desenho; este porque quer desenhar umas pernas de lado que teimam em se manter fixamente rígidas e de frente… outro porque pintou as nuvens de azul e agora não sabe de que cor é o céu…
Estabeleci, há algum tempo, a proibição de circular pela sala a não ser que fosse estritamente para afiar lápis. Obviamente, esta regra está sempre a ser transgredida. Às tantas, o Marcolino atirou-se ao Faustino (ou vice-versa, não consegui perceber); ao que diziam, aquilo não era nada, tinha sido só por causa dum lápis.
O Tomé, a pretexto de pedir um lápis à Antónia, sentou-se ao lado dela e passou-lhe qualquer coisa por baixo da mesa, com ar comprometido e arrumou de imediato qualquer coisa no bolso das calças. No fim da aula, questionei a Antónia, que me disse que “aquilo era um cigarro que o Tomé me deu para levar ao meu irmão no intervalo”.
Tudo isto acontece em absoluta agitação e com um barulho contínuo, altamente desgastante e que conduz a repreensões inevitáveis mas que surtem pouco efeito; pelas conversas cruzadas, pelo trabalho que não se faz e pelo nada que se aprende, pelo barulho irritante dos bancos e das mesas que chiam, já para não falar da constante troca de insultos entre colegas, pela troca de materiais e desaparecimento de objectos que são “roubados” na distracção de um ou outro; constantes e insistentes pedidos para “ir ao cacifo” buscar qualquer coisa altamente importante ou para ir à casa de banho.
(n da a: os nomes referidos não correspondem à realidade. Até porque hoje já não se usam nomes destes)
1 comentário:
Mas é só os nomes, claro! Tudo o resto é a realidade, infelizmente.
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