30 novembro 2010

Ela escreve torto por linhas direitas

Dona, Firmina, ao contrário do que o seu nome poderia indicar, é uma pessoa cheia de contradições. Herdeira de uma forte formação católica, e de um profundo sentimento patológico de culpa, vê-se enredada em comportamentos inexplicáveis. Por exemplo, quando tinha a idade dos filhos não fumava na frente dos pais, agora não fuma em frente dos filhos.
Na sexta feira, a família tinha saído de fim-de-semana, e só voltaria no domingo. Com a casa só para ela (bem, eu estava lá, mas não pude ajudar - limitações de gato), depois de jantar, resolveu fumar um cigarrinho descansadamente. Fiel ao seu princípio, pegou no policial que estava a ler, no maço de cigarros, e dirigiu-se para o quarto de banho. Ao pretender trancar-se, verificou que a chave tinha desaparecido. Procurou, procurou, e não percebendo o que teria acontecido à chave, teve uma excelente ideia: "estas chaves das portas interiores são quase todas iguais". Começou a experimentar as diferentes chaves e, finalmente, a da sala fechou o quarto de banho. Instalou-se, ligou o ventilador, acendeu o cigarro, abriu o livro e continuou a leitura que estava num ponto carregado de expectactiva, e ainda só ia no 2º capítulo.
Adormeci, na sala, em frente à TV.
Passado um largo tempo, e como Dona Firmina ainda não tinha regressado, fui até ao quarto de banho ver o que se passava. Nervosamente, a minha dona procurava abrir a porta, mas a chave que havia tão facilmente fechado aquela porta, recusava-se a abri-la.
Com aquela voz ccallmmaa, que usa antes de entrar em pânico, disse respondendo ao meu miado: "Zorbas, não te preocupes que eu já resolvo isto!..." Creio que, depois de mais umas tentativas, acendeu mais um cigarro e voltou à sua leitura.
Voltei para a sala, e entrei naquela modorra que eu classifico de estado comatoso. Abria os olhos, voltava a dormitar, perdendo a noção do tempo...
Acordei com a porta da rua a abrir, e os filhos e marido da Dona Firmina a regressarem a casa.
Lá dentro começara-se a ouvir-se os clamores da minha dona:"Tóóóó! Estou presa no quarto de banho!..."
-"Mas como? Porquê?"
-TIRA-ME DAQUI, JÁ!
Depois de umas manobras que não consigo reconstituir e que incluiam uma serra eléctrica, Dona Firmina foi libertada do seu cativeiro.
-Olha lá, ó Firmina, estiveste a fumar?
-Eu?! Não! Sabes perfeitamente que o ventilação do quarto de banho trás o cheiro do tabaco da vizinha de cima.
-E estiveste muito tempo aí fechada?
- Acho que não! Estive tão entretida aacabar de ler o meu policial que nem sei quanto tempo passou.

1 comentário:

Sindroma disse...

zorbas, a tua dona é muito engraçada.
1. fecha-se na casa de banho, mesmo quando está sozinha em casa...
2. faz da casa de banho um gabinete de leitura (por acaso, compreendo-a. é, às vezes, o único sítio da casa onde se pode obrar, em todos os sentidos da palavra. produzir obra, em suma.
3. é daquelas pessoas em que mesmo as ideias boas têm sempre qualquer coisa de estranho.
4. as desculpas de que se lembra, então, são de génio!

Grande post, Zorbas, grande pos!