09 fevereiro 2011

O QUE FOI E JÁ NÃO VOLTA A SER

Longe vão os dias em que dona Aninhas perdia as estribeiras quando era acusada de exagero na limpeza. Ela, que sempre tratou do seu pavilhão com o esmero de quem trata da própria salinha de televisão; que crochetava naperons e metros de franjas nas horas vagas, que plantava flores em vasinhos que dispunha ao longo dos corredores e em cima dos quadros eléctricos; que punha Alelex fora de si quando a água que escorria dos vasos fazia disparar o quadro e dilatar os tacos do chão; os tacos soltavam-se e as professoras tropeçavam. Os professores reclamavam e dona Aninhas era quem pagava as favas. As favas eram abundantes na sua horta mas que só alguns tinham o direito a provar. Os quadros de giz eram esfregados com tanto aprumo que ganhavam o brilho do verniz. Ninguém mais conseguiu ler neles e os professores perderam a cabeça. Dona Aninhas era quem pagava as favas. Dona Aninhas oferecia malaguetas e couves da sua lavra aos professores com quem simpatizava. Hoje seriam chamados de produtos biológicos mas naquela altura, parece já muito tempo que o que dista cerca de dois anos, eram meras couves. Quando a semana não chegava, disponibilizava orgulhosamente uns sábados para tratar do canteiro.
Mariazinha colaborava com ela na rega mas não na discussão acerca dos grossos livros que lia. Tinha tempo para ler nos intervalos das limpezas que fazia no mesmo ritmo morno.
Hoje não existem nem dona Aninhas nem Mariazinha nem nada que se lhes pareça.
Do tempo delas nada resta, nem sequer o pó. O pó é outro. Os caixotes são os mesmos mas o lixo é outro. Os caixotes ganham novas dimensões, rebentam com a escala, criam baratas e maus cheiros. Na horta há ervas daninhas que começam a ser retiradas por uma brigada. Debaixo das mesas há cotão e teias de aranha.
Dona Coluna não gostava que o Sindroma falasse dela na internet. Durante meses pediu-lhe o endereço, enquanto cortava uns tomates e queijo fresco às rodelas para fazer sandes na sala de professores; queria ver onde é que ele tinha escrito sobre as suas sabrinas de bolinhas pretas. Hoje, onde outrora havias sandes, sumos e iogurtes, jazem os restos mortais de um balcão frigorífico.
O Senhor-Com-Nome-de-Galeria cansou-se de varrer tacos e passar tardes a saltitar entre três letras - CFE, EFC, FCE, conforme. Decidiu-se recentemente pelo E, de Escondido, de forma permanente até desaparecer.
Ganhámos um solícito, simpático e educado limpador de polivalente.
Mas mantemos um antipático boneco-de-cera que sofre de sensibilidade dentária...
(talvez continue)

3 comentários:

Sininho disse...

Esta é uma grande verdade, que saudades dos velhos tempos!
É que eu, apesar de ter asas, não gosto de baratas voadoras como a que vi hoje à entrada do pavilhão A.

zorbas disse...

Não me ponham a caçar ratos, que a minha dieta não mo permite e eu só me alimento de peixes (daqueles a quem o Padre António Vieira pregava)!...

Ana C Marques disse...

Tenho que falar com as donas do pátio do lago. É que se Zorbas sonha que ali há tartaugas e comidinha, atira-se à água.
E toda a gente sabe que gato escaldado de água fria tem medo...