21 dezembro 2005

AS MEMÓRIAS DE CAESAR AUGUSTOS LUCAS (I)

I. Naquele dia, Ana Festas-Saturninas disse-me: «Temos de oferecer um banquete.»
Lembro-me de que ela andava à procura de um novo nome. Sugeri-lhe Ana Valha - a sonoridade de Ana Valha soava-me bem. Mas não era nada disso que lhe interessava. Procurava um nome com uma simbologia qualquer, vá-se lá entender uma mulher, qualquer coisa que remetesse para aquela religião emergente que tanto a fascinava, essa história do deus único (que me incomodava porque, afinal, parecia que o deus único não seria eu!) De modo que ela pensava em variantes como Ana Natal, Ana Pentecostes, Ana Dia-de-todos-os santos... Enfim, eu não percebia nada daquilo.
Bem, a idade baralha-me. Contava eu que ela me estava dizendo: «Temos de oferecer um banquete.»
E eu, sempre pronto para banquetes, bati as palminhas, e respondi: «Sim, uma orgia. Sim, oh, sim, uma orgia.»
Mas Ana olhou-me severamente e deixou cair estas palavras sobre a minha alegria: «Nada de orgias, Lucas! Nada de orgias!»

II. «A questão é que», explicou-me ela, «nós vamos comemorar o nascimento de um novo deus. E este novo deus não valoriza o prazer da carne, mas o sacrifício».
A ideia do sacrifício agradou-me. Pensei logo mandar chicotear um certo número de parvos que se andavam a meter com as minhas togas. Mas Ana advertiu-me de que se tratava do NOSSO sacrifício, não do de outros.
E devo dizer-vos, queridos amigos, que tivemos a nossa conta de sacrifícios nesse banquete. Para começar, puseram-me a representar o papel do pai terreno desse novo deus. Choca-vos? Ora oiçam o pior: eu ia com uma cabeleira verde, por Júpiter! VERDE!!!
Não contente com isto, os meus ouvidos iam sendo persistentemente martelados pela voz de uma matrona que subira a um banco, dizia longamente qualquer coisa que ninguém entendia, blá-blá-blá-blá, mas também não se calava. Eu gosto de sacrifícios, mas tudo deve ser com conta, peso e medida. O que há de mal em mandar chicotear os outros?

III. Andei deprimido durante todo o resto do dia. Mas havia uma razão mais: Carolus estreava uma toga nova, talvez mais bonita do que a minha. Durante anos, eu já me perdera e não conseguia perceber se era ele que me copiava, ou eu que o copiava a ele. Mas, naquele dia, a dele era fantástica. Muito azul. Com um fecho fenício, lindo. As pessoas bebiam, eu não tinha olhos senão para aquele pavão! Tinha um capuz e tudo. Cantava-se muito alto. Preocupei-me com o jovem Miguel, que partia dali para uma campanha, mas, entretanto, gritava, ziguezagueando pelos corredores: «Temos de... hips... de fazer... o quê? On... hips... ondé que vamos? Di... director de turma...!? Que é isso? Não é centurião???» Esqueci-me dele. A toga de Carolus não me deixava pensar em mais nada. Seria quentinha? Ao lado, Brutus atormentava uma jovem. Tive pena dela. E se lhe tirasse a toga? Não a ela, claro, aquilo não era nenhuma orgia, já tinha percebido, mas ao Carolus, ao Carolus. Onde a guardaria ele, por Júpiter?

3 comentários:

Lara Croft disse...

Não estavas a falar do Brutus Proboscidius, não? :)

PLANETAZUL disse...

O relato do almoço está bastante fiel amigo, frito, mais o puré,com os diversos licores do deus Baco que vieram das profundezas do Além Tejus até ao solarengo Douro, em quantidade e qualidade...
No final a dramatização comentada do alto da catedra, mesmo sendo de refeitório de cantina, atingiu o Zénite do delirius, podendo ainda ser melhor se se conseguisse perceber alguma coisa.
Deixei Brutus para o fim porque foi a cereja aue faltava sobre o/a rabanada.
Realmente ainda lembro os olhos em alvo da jovem que ia levando com o fumo em cima e pouco faltou para levar com um copo de vinho da Luka'colheita.

Anónimo disse...

Do Brutus Proboscídius, precisamente. Tive muita pena de ti, jovem Lara. Mas, depois esquecia-me, porque a minha obsessão era outra. Ainda não sei onde aquele pavão esconde os casacos...