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14 fevereiro 2006
O RELÓGIO E O TEMPO
Certo dia o tempo e o relógio encontraram-se (embora estejam todo o tempo juntos).
O tempo, revoltado há muito tempo, disse ao relógio tudo aquilo que, há tempos, vinha guardando. Que ele, tempo, tinha saudades daqueles tempos em que não existiam relógios e toda a gente tinha tempo. Mas, quando o homem, ingrato, fabricou o relógio que começou a marcar o tempo, ninguém mais conseguiu ter tempo. "Antes, naqueles bons tempos" - disse o tempo - "todo homem tinha tempo de gozar a natureza. Viviam com o Sol de dia, dormiam com a Lua à noite". "Quando a Lua caprichosa não queria aparecer, era um bando de estrelas que piscavam brincalhonas, dando tempo ao Sol nascer". "Mas agora, nestes tempos, ninguém mais tem tempo de ver se a Lua nasce a sorrir para a direita ou para a esquerda, se está de cara cheia ou de mau humor, sem querer aparecer".
O tempo prosseguiu com um sorriso de tristeza:"Antigamente - que tempos! - os homens nasciam no tempo certo em que tinham de nascer. Não havia incubadoras para os fora de tempo nem cesariana para os que passam do tempo. A natureza sabia, em tempo, quando era tempo. Hoje, o homem já obedece ao relógio, mesmo antes de nascer. Os médicos estão apressados e sem tempo para perder". O relógio só ouvia, prosseguindo no seu tic-tac sem tempo de se defender e com medo de se atrasar. "Noutros tempos" - disse o tempo - "o homem crescia sem pressa, com tempo de envelhecer. Comia sem ter horário, dormia quando tinha sono. Fazia amor ao relento, como flores que se beijam, como aves que se aninham. Envelhecia de vagar, como um calmo entardecer. Depois, dormia o sono profundo e, no outro despertar, abraçava-me com carinho, no infinito...no infinito...". O tempo enxugou uma lágrima, talvez de orvalho. A voz que estava embargada, tomou uma conotação de revolta: "Hoje, vai logo para a escola e traz para casa um horário. Quando aprende a ler as horas ganha do pai um relógio e, assim, ensinam-lhe bem cedo a maneira mais correcta de nunca ter tempo na vida".
Continuou a sofismar com voz mais branda:"Come apressado, sem tempo. Dorme ainda sem ter sono, pois, de manhã bem cedinho, começas a gritar arrancando-o da cama, quando ainda queria dormir". "Amor? Nem sei se ainda faz... há gente que nem tem tempo.
Quando vê, já envelheceu, sem ver o tempo passar". "Na hora do sono profundo, enterram-no apressados, para a vida continuar. E no outro despertar, chega tão atrapalhado que não me consegue achar".
O relógio, sem poder nunca parar, não conseguiu ripostar.
Além do sentimento de culpa que passou a carregar, a partir desse tempo, quando bate as doze badaladas no silêncio da meia-noite, o canto é tão melancólico que até parece chorar.
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4 comentários:
aaw... muito bom! gostei muito de ler. (& quanto à imagem, Dali... love his work)
Já agora, uma coisa que não tem nada a ver...exige-se mais música clássica na rádio da escola! Eu hoje até me fui colar um bocadinho lá ao pé para ouvir, mas depois, obviamente tive de cumprir o meu dever como aluna e dirigir-me para a aula...
Cara miss mandylion
Quanto à música clássica não acontece mais vezes porque os teus colegas preferem Rap ou cuduro (não sei se se escreve assim) o que tem a sua graça mas cansa qualquer tímpano a partir do ...vamos lá ...segundo minuto.
Quanto ao Dalí também gosto bastante.
precisamos organizar um clube de fans da música clássica, ópera incluída, claro está!pode ser k se consiga k o nosso fantasmadaopera se revele publicamente!
Gostei do trocadilho com o fantasma e com a ópera, pode ser que ele consiga mexer os pausinhos junto da rádio
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