A número 1 levou uma corneta de caça à boca e soprou demoradamente.
Em resposta a este chamamento, um ponto se vislumbrou no céu: um ponto que vinha aumentando, tornando-se cada vez mais nítido, cheio e colorido, até se definir de uma vez por todas sobre as cabeças. Era um balão.
Na cesta do balão vinha um homem de óculos e barba por fazer, que, cá de baixo, as meninas da matemática olhavam com uma espécie de reverência apaixonada. Tratava-se do senhor Nuno Crato.
Este senhor era, para todos os que se dedicavam à matemática no país ESLAVado de novo, uma sumidade - havia mesmo quem pensasse tratar-se de um deus, a avaliar pela sua omnipresença (aparecia na televisão, na rádio, no Expresso, em conferências...), e as suas palavras tinham a marca do sagrado; como, por exemplo, estas:
«Para saber Matemática, é preciso realmente o aluno estudar, enquanto que para saber História, bastam umas lambuzadelas [sic] antes do teste...»
Porém, como em todo o lado aparecem desmancha-prazeres (para todo o blogue surgem sempre milhares de antibloguistas), também o senhor Crato era, frequentemente, posto em causa por um grupo que o não respeitava de modo nenhum: precisamente, o grupo da História...
Já veremos a importância deste dado.
Quando aquela sumidade, aquele deus em balão, apareceu a pairar sobre as cabeças, a número 1 gritou-lhe, apontando a pobre Ceuzinha:
- Senhor Crato, ajude a pequena...!
O deus-em-balão sorriu, cheio de si, e preparou-se para lançar à menina uma escada de corda.
Ceuzinha erguia as mãos, saboreando a salvação próxima.
As meninas-número já tinham iniciado o seu aplauso. Tudo corria bem. Tudo corria bem, quando a cestinha do senhor Crato sofreu um baque e estremeceu perigosamente. Na verdade, um outro balão surgira e, deliberadamente, chocara contra o balão do senhor Crato.
Era o grupo de História:
- Aguenta, Ceuzinha. Quem te vai salvar somos nós. Confia... - disse alguém do balão invasor.
O senhor Crato ficou furioso. À beira de uma apoplexia, rasgando com os dentes várias folhas de equações, com os seus óculos, em forma de parêntesis rectos, já muito tortos, voltou-se para os recém-chegados adversários.
- Vocês não se atrevam. Eu é que sou o salvador...!
Muito tarde. O balão da História já lançara uma escada de corda.
Crato não poderia admiti-lo. Com uma unha pontiaguda na ponta do seu dedo esticado, furou, sem pensar duas vezes, o balão da História.
Foi tudo muito mais rápido do que demora a contar. Aquilo esvaziou-se, sob os aplausos das meninas-número, e caiu num ápice.
Ceuzinha, já sem saber que fazer, voltou-se de novo para o balão de Crato. Mas este distraíra-se com a sua vitória. Rejubilava. Estava como se tivesse acabado de resolver um problema muito complexo. Ria, com grandes palmadas no seu joelho. Virava a cabeça para um e para o outro lado. Erguia o queixo. E foi então, num desses movimentos do queixo mal barbeado, que um pico da sua barba se espetou no seu próprio balão, furando-o por sua vez.
- Oh, não! - exclamou o senhor Crato.
- Oh, não! - entoou, lá de baixo, o coro matemático.
- Oh, não! - afligiu-se Ceuzinha.
2 comentários:
Que desespero! Será que no Paíseslavado a salvação é assim tão inatingível?
Tirem-me daqui...
Tens razão. Sinto que estou demasiado próximo da realidade! Vou ter de regressar à pura ficção...
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