O circo chegou à cidade.
Não era um grande circo. Era um pequeno circo. Não tinha muitas cores, nem tigres nem zebras, não por se tratar de um circo-amigo-dos-animais mas por ser, de facto, um circo pobre.
Greenlight não tinha vontade de nada daquilo. Nem paciência. Já lhe bastava todo um ar de confusão, as pipocas, os gritos, os apitos, a música insistente.
No entanto, as crianças queriam muito. Pediam muito. Choravam.
E, basicamente, um super-herói nada é se não for alguém que se sacrifica pelos outros.
A pequena família, nos lugares da frente ainda por cima, assistiu a tudo, desde os domadores sem bichos até aos trapezistas que falhavam mas, em vez de se irem imediatamente embora, faziam questão de repetir o número até acertarem: os meninos estavam delirantes, a mulher com um sorriso condescendente, o super-herói com um sorriso de plástico, muito fixo, imóvel, estampado no rosto, colado ao rosto.
Quando pensava que estava no fim daquela tortura, daquela tremenda seca, apareceu então o palhaço Pepito, da Pré-Ordem dos Professores.
O palhaço Pepito, num intervalo entre mirambulantes conferências e workshops patrocinados pela Pré-Ordem, dava, pelos vistos, uma mãozinha ao circo pobre.
- Eu prrrrecisava - desafiava ele, com o seu sotaque apalhaçado - de um senhoooorrr que viesse aqui à pista! Hein? Tá bem? Pa fazerrr uma brrrincadeira...
Greenlight baixava-se ligeiramente, sumindo-se sob a cadeira, não fossem reparar nele.
Mas foi aí que a própria mulher interveio:
- Vá lá, querido! Era tão giro! Os miúdos iam achar tanta piada se te vissem ali na pista com o palhaço.
- Cala-te! Farto de palhaçadas ando eu. Se trabalhasses na minha escola, aposto que não estavas com paciência para mais palhaçadas...
- Ó, querido, ia ter tanta piada! Não me digas que não fazias isso.
- Vai, pai. Por favor! - (o mais velhinho).
- Gugu dadá pó cocó caca bzzr - (a bebé).
- Hein? Oiço alguém daquele lado a oferecerrrr-se, meninas e meninos? Aquele senhooorrrr de capa veeerrrde???
Greenlight lá foi. Devia ser uma brincadeira anódina. Para divertir a petizada, caramba. Que mal adviria daí? Quem já apanhara um murro no olho, caíra num buraco oculto e torcera uma perna, se sentara em cima de uma pastilha elástica miseravelmente colada numa cadeira, fora mordido pelo próprio cão em sua própria casa... não podia fazer mais duas ou três palhaçadas para divertir os próprios filhos?
O palhaço Pepito, porém, quando o apanhou a jeito, encostou-o a uma tábua.
Perante o seu espanto e o perverso aplauso do público, Pepito desatou a atirar facas que se iam espetar na prancha e, por milímetros, acertavam ao lado, desenhando-lhe a figura da cabeça aos pés. Greenlight ouvia as facas zumbir-lhe aos ouvidos uma a uma, tchac, tchac, tchac, tchac!
- Não se mexa, pooorrr favooorrr! - gritava o palhaço.
Estava a brincar, com certeza. Mexer-se? Ele??? Greenligth estava paralisado. Mal respirava...
Ao fundo, ainda ouviu a voz frustrada do filho:
- Este palhaço não vale nada, mamã! Nem sequer consegue acertar no pai...
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