23 maio 2006

Poesia
















A Poesia numa janela ou a janela com poesia...


Da penúria do poeta

Diria Camões sem cheta, com pena, à sua amada:

Minha pena tenho já no extremo fio
De tão gasta, Senhora, de tanto uso lhe dar.
Como arranjarei para vos escrever nova pena?
Se nem um cêntimo, Senhora, tenho para gastar.

E nem aos cisnes poderei roubar uma pena
Para vos mandar novas de mim, Senhora, ai de mim, coitado.
No reino grassa o temor de praga estranja
A gripe das aves traz a todos em cuidados.

Nestes tempos de tormentos e magras bolsas
Fechai bem, Senhora, de vossa casa o ferrolho.
Ah a desdita e a má fortuna que nos fazem assim andar
A vós descalça, Senhora... E a mim teso e sem um olho.

Florbela transpiraria no canapé:

Ah … Quando penso em ti meu amor...
Fica tão quente este meu pobre e triste corpo abandonado.
Ah… Não fora estar tão lisa como o meu Alentejo
E compraria um canapé com ar condicionado...

Esperar-te-ia, então, de bom grado meu amor
Desde o raiar do sol até à noitinha.
Ah meu amor… Tivera eu um ar condicionado
E a espera seria bem mais fresquinha.

Ary declamaria arrebatado:

Poeta que é poeta
É um esfomeado!
Um órfão
Um deserdado!
Árido, estéril
Se sem inspiração
Sem poesia.
Poeta que é poeta
É um operário!
Um teso, um pobre
Um libertário
Que constrói de mãos nuas
O poema itinerário,
O verso em que caminha.
Ao poeta que é poeta
Pode faltar tudo!
O vinho, o pão
E o conteúdo.
Mas que não lhe falte a musa
Pois morre o poeta
Que não come poesia.

Pessoa pensaria olhando o porta-moedas:

“Não sou nada.”
Não tenho nada
Nada quero senão meditar.
Mas davam-me jeito uns trocados
Que o dono aqui da esplanada
Já me disse quinze vezes:
- Queres fiado? Nem pensar!

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