23 maio 2006

UMA CARTA DO MENINO DOMINGOS, DO SEMINÁRIO DE SÃO LUCAS DE FORA

Queridas pessoas todas aí da escola de Linda-a-velha:

Eh, pessoal, que saudades que tenho de vós. E pensar que às vezes praguejava contra a escola e contra os professores que me obrigavam a estudar. Em primeiro lugar, aí não era preciso dar-me sequer ao trabalho de praguejar, porque acabava sempre por não estudar na mesma. Em segundo lugar, antes ter possibilidade de praguejar sem haver necessidade, do que ter necessidade e não poder. Praguejar, aqui no seminário? Tá quieto! Ameaçam-me logo com o inferno. E obrigam-me realmente a estudar, que é uma coisa cujo conceito ainda não entendi, mas parece que é isto: tenho de ficar uma hora ou mais numa sala, sentado numa cadeira, com um livro aberto diante dos olhos. Eles querem que eu sublinhe, e eu sublinho. Devem acreditar que, sublinhando, a gente fica a saber a matéria. O que é ser padre, o que é ser um homem de fé!
Claro que aquilo que mais falta me faz é a presença feminina. Por estes lados, saias, saias, só as dos padres. Ou, quando muito, as da dona Vicência, que é uma senhora que vem aqui fazer as limpezas uma vez por mês.
Ai, o que eu me lembro das raparigas da escola. Como me marcaram. (Ainda tenho os dedos de uma bem marcados na face só por lhe ter pedido um beijo. Coitada. Ela não percebeu que eu já tinha vocação e, portanto, o que lhe pedia era um beijo casto. Não. Viu-me de língua de fora e trás!, arreou-me logo uma estalada. Ainda tentei explicar-lhe a história da vocação, mas respondeu-me: «Vocação, sim, sim, bem vejo, bem vejo...!»)
Também tenho saudades dos professores. Havia aquele que andava sempre à procura da pasta que lhe escondíamos, ou o que entrava e nos cumprimentava assim: «Viva o Benfica», ou uma senhora que tinha a dentadura constantemente a tremelicar e a bater como castanholas (e nós a fazer apostas sobre quando é que aquilo lhe caía mesmo)...
E o pessoal todo, que saudades: as senhoras contínuas, sempre tão antipáticas connosco, mas porque nos adoravam - no fundo, no fundo, no fundo, no fundo, no fundo, no fundo, no fundo, no fundo, eu sei, porque nos adoravam! E as teatradas (não, não estou a falar DESSAS teatradas, estou mesmo a falar do teatro dos professores Mário, Suzette e Dolores)! E tudo, e tudo! Que saudades. Que chatice. O papel vai agora um bocadinho molhado por causa de uma lágrima que me caiu.
Lembrai-vos de vez em quando de mim, que eu nunca vos esquecerei.
Estais sempre nas minhas orações. Todos. Até a menina que me deu a chapadona. Talvez até principalmente ela.

Até sempre

Brevemente Padre, vosso
Domingos e Dias Santos

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