07 outubro 2007

A NARRATIVA DE GORDO ROCK

Retomo hoje funções. Dizem que me espera um cargo importante na escola; estou ansioso por ver do que se trata. Pelo sim pelo não, visto a camisa do mais lindo xadrez, estico bem as calças com os meus suspensórios predilectos; tomei um duche mais demorado do que o habitual e pus gel no cabelo; não é que isso seja importante porque para os meus caracóis não há nada melhor do que o gel natural, fornecido por meia dúzia de dias sem lavar o cabelo.
Dia 1 – Não estou nada contente com o trabalho que me deram. Eu, que já verguei a mola tanto na vida, acho que tenho direito a poder fazer o que quero. Uma das coisas que me custa é a ingratidão. Exigem de mim mais do que é justo, enervam-me. Enervar-me faz-me muito mal ao coração, provoca-me um pum-pum-pum no peito e depois tenho que ir acalmá-lo para fora da escola.

Dia 2 - Os apetrechos no meu local de trabalho resumem-se a muitas cadeiras e uma secretária com gavetas vazias. Não fora eu trazer um papel no bolso, nem estes pensamentos conseguiria anotar. Também posso trazer o jornal mas nem me lembrei. Para aqui estou, sozinho, à espera que aconteça qualquer coisa.

Dia 3 – Hoje foi demais! Entra-me pela porta dentro uma pirralha de boné virado para trás, que é uma coisa que eu detesto, com ar de santinha afectada. A funcionária disse-me que ela trazia trabalhos para fazer e que tinha sido expulsa da sala de aula porque tinha cometido um erro muitíssimo grave. Fiquei curioso, mas cada vez que eu abria a boca, a miúda franzia o nariz, vá-se lá saber porquê. A custo lá consegui sacar a confissão e conclui que aquilo não tinha sido nada grave. Lá porque ela mandou a professora àquela parte, não quer dizer que tenha que a castigar. A miúda não o disse com a intenção de ofender. O que importa é a intenção com que se dizem as coisas. Que mania as pessoas têm de exagerar. Há tanta gente que merece ouvir aquilo e muito mais.

Dia 4 – Hoje acordei muito chateado. Ontem fui para casa mal disposto a pensar nas bocas que um certo e determinado colega me mandou sobre o meu método de trabalho. Dizia ele que eu não faço o que devo, que nem cumpro horário e que nem jeito tenho para dar castigos. Olha quem! Pois eu acho que ninguém tem nada a ver com isso. Se não fosse porque não estávamos sozinhos, tinha-lhe ido à cara; meti as mãos nos bolsos das calças e lá me aguentei sem fazer estrilho. Não interessa dizer para onde fui a seguir, só sei que as mágoas ficaram todas afogadinhas.

Dia 5 – Para aqui estou eu enfiado nesta sala, envolto num fumo denso que me dá tosse, que me seca a boca. Quem terá estado aqui antes de mim?, que deixou esta fumarada para trás, pergunto-me. - Água! Tragam-me uma garrafinha de água, cof cof, ardente, cof cof, ardente!, que estou a ficar em brasa, isto é, com a garganta seca! Cof cof.

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