15 outubro 2010

UMA GRANDE E BOA PROFESSORA

Quantas vezes uma simples conversa envia-nos para recordações que acabam por nos apanhar num mundo de fragilidades emocionais.
Recordo-me do Senhor Reitor (naqueles anos ainda havia respeito) ter entrado na sala. Com o seu habitual ar sereno avisou que a Professora de físico-química ia iniciar as aulas na próxima semana.
Saiu da sala não sem antes ter avisado que exigia muito respeito pois tratava-se de uma professora acabada de se formar.
Era uma turma só de rapazes. O costume dos anos sessenta.
Passou uma semana. Era uma terça-feira. Antes mesmo de ter tocado para entrada podemos ver a Professora dirigir-se para a nossa sala. Fomos praticamente catapultados para um melhor posto de observação.

Que mulher. Um espanto. Foi naquele momento que muitos de nós se iniciou nas coisas da estética corporal. Estávamos todos contentes por pertencer ao 4º D.

Nem foi preciso o toque para entrar na sala. Todos, mesmo todos, demos os bons dias a que recebíamos como resposta um Llindo sorriso. A acrescentar a um corpo onde tudo estava numa total harmonia possuia uma voz que por si impunha-nos um silêncio perturbador.

Ao longo do ano e de forma sucessiva, estou convicto, fomos apaixonando pela físico-química (…. quer dizer …. entendem.... pelo menos sei o que se passou comigo). Aquela professora não se zangava. Nunca a vi mal disposta e sempre ,mas sempre, a saudar os alunos com um sorriso que ainda guardo na minha memória. Foram muitas as vezes que a acompanhava no caminho para casa. Falava de tanta coisa. Foram dois anos de um imenso prazer nas aulas de físico-química. Veio o sexto ano, depois o sétimo e lá fomos para um outro mundo dos estudos.

De vez em quando um grupo de antigos colegas, em torno de um copo, lá nos lembramos da nossa professora. Está casada, diz um, outro lá sabe que tem dois filhos. Em nome da verdade também se fala daquelas pernas e …... não não vos digo as fantasias de adolescentes...

Passaram muitos, mas muitos anos e não é que o Óscar prontificou-se em organizar um jantar da turma e, com uma lembrança do outro mundo, avisou ir convidar a nossa antiga e sempre saudosa professora de físico-química. De imediato manifestei ter medo das surpresas que o passar dos anos nos prega.

Óscar, passaram 45 anos. Não faças isso. Deixa que fiquemos com aquele lindo sorriso na memória. Não achas que o tempo passa por todos. Olha para ti, Barrigudo. Já és avô. Achas que Ela aceitará? Passaram uns dias. Entre nós comentava-se como estaria a professora. Marcado o dia e o local fez com que aumentasse a ansiedade para revisitarmos as nossas memórias. Houve mesmo quem lembra-se se não seria interessante irmos todos com a bata branca. Como se fossemos para o laboratório.

No restaurante aguardava-mos pela chegada do Óscar com a professora.

Imaginava-se uma imagem. Fomos construindo uma cara envelhecida. Um corpo por onde passaram tantos anos. Os olhos continuariam azuis. O cabelo certamente branqueado.

Foram minutos de forte expectativa. A entrada esbaforida do Raul avisou que já aí vinham .

Fez-se um silêncio igual ao da nossa primeira aula. Quando a nossa professora entrou na sala todos nos levantamos.

Com os braços abertos dirigiu a todos uma boa noite. Só que às palavras adicionou o sorriso. Foi esse sorriso que me perturbou. Era um sorriso igual e também tão diferente. Era uma voz tão igual ao que escutara aula após aula. Mas também havia algo de diferente naquele sorriso. Não reparei em mais nada. Como eu também alguns dos outros.

De pé escutamos a suas palavras agradecendo o facto de não nos termos esquecido dela. Falou de momentos passados em comum. Falou do passado. Lembrou as dificuldades da profissão. Falou de cada um de nós. Sabia o que nunca imaginamos que soubesse de nós. Sei que estás nisto, tu naquilo.

Rezei por cada um de vocês quando me diziam que estavam na guerra.

Por favor sentem-se.

Nos primeiros momentos o choque foi enorme. Fomos acordando, Estavam ali dezanove alunos. No centro da mesa,serena, a falar com um e outro, a nossa professora de físico-química.

Terminado o jantar fui ter com ela. Lembrava-se dos nossos caminhos para casa. Sorrimos com a minha grande paixão por ela. Confessou ter sido uma situação de grande constrangimento. Mesmo sem nunca ter falado sobre o assunto tinha-se apercebido. Ainda bem pois assim sempre estudei muito mais para ter boas notas. Muito boas lembrou ela.

Foi com esta agradável conversa que o tempo passou. Porque já era muito tarde o neto mais velho veio buscar a Avó. Levou a nossa professora de físico-química.

Entre nós demos um grande elogio à lembrança do Óscar. Confessei ter sido uma estupidez o que dissera. Valeu bem a pena. Boa Óscar continuas aquela velha máquina.

O sorriso era o mesmo. A alegria mantinha-se. A simpatia era uma constante. A recordação que manifestou ter de cada aluno marcou a todos definitivamente. Lembrava-se de mim como nunca imaginei. Senti que aquela senhora continuará a ser sempre a minha professora de físico-química.

O tempo não passou por aquele ser humano. Pelo corpo talvez. Mas aquela Senhora continua a ser uma grande e boa professora.

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